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Saúde Bipolaridade

Psicóloga fala sobre transtorno de bipolaridade

Entenda o porquê de uma mulher, diagnosticada com esse transtorno, teve relações sexuais com um morador em situação de rua e no que a doença interferiu em sua atitude.

02/04/2022 21h38 Atualizada há 3 anos
Por: Karoliny Dias Fonte: Boca de Forno News
Larissa Cavalcanti, psicóloga especialista em psicopatologia - Foto: Arquivo Pessoal
Larissa Cavalcanti, psicóloga especialista em psicopatologia - Foto: Arquivo Pessoal

Os médicos psiquiatras responsáveis pelo tratamento da mulher que foi flagrada pelo marido tendo relações sexuais com o mendigo dentro de um carro, no Distrito Federal, no dia 9 de março, afirmam que a paciente sofre de transtorno afetivo bipolar em fase maníaca psicótica. Sobre esse assunto, vamos conversar com a psicóloga clínica e hospitalar, especialista em Psicopatologia que atua com a Terapias Assistidas por Cães (TAC,) Larissa Cavalcanti.

Segundo Larissa, antes de dizer que o transtorno bipolar pode levar uma pessoa a transar com um desconhecido, é importante entender que na psiquiatria e na psicologia para que se possa dar um diagnóstico tem que se considerar três fatores. O primeiro é o conjunto dos sintomas que aparecem naquele momento ou ao longo da vida da pessoa. Tem que se considerar ainda a história de vida, o que que aconteceu ao longo da vida daquela pessoa que a trouxe para aquele contexto, para aquele momento. E em terceiro lugar considerar o contexto em que o comportamento e em que a situação aparece.

“Esse caso se tornou cada vez mais emblemático na mídia, com todo mundo opinando, com todo mundo tendo uma perspectiva sobre o assunto. As pessoas que podem de fato afirmar se foi a bipolaridade, se foi o diagnóstico psiquiátrico que levou essa moça a esse comportamento é a equipe de saúde que está acompanhando. Mas, com o que temos de conhecimento sobre a bipolaridade, é que um dos possíveis sintomas dentre vários outros é uma exacerbação do comportamento sexual. Então, sim. Seria possível que diante de um diagnóstico de bipolaridade numa fase de mania a pessoa se relacionasse sexualmente com o desconhecido”, explica.

É aí que entra o quadro cultural, ressalta a psicóloga. E questiona. “O que que é uma pessoa desconhecida hoje em dia? Afinal, as pessoas se conhecem por aplicativos, conversam um pouco por mensagem e marcam encontros que podem, ocasionalmente, se tornarem encontros de cunho sexual. E isso não vai ser um diagnóstico de bipolaridade. Precisamos lembrar desses fatores do conjunto de sintomas, da história de vida e do contexto para que um diagnóstico seja realizado”.

O transtorno bipolar é um transtorno de humor onde as pessoas terão alternância de humor. O primeiro é deprimido, com uma fase de mania. O humor deprimido, de uma forma bem simplista, é quase como se a pessoa tivesse uma paralisação vida. Falta de vontade de viver, dificuldades com o sono, ou seja, dormir demais ou dormir de menos. As coisas ficam ainda muito pesadas, ficam muito difíceis para ela. “A depressão pode ser de tipos diferentes: uma pessoa pode ter uma depressão mais aguda ou ela pode ter sintomas uma depressão mais leve”, diz.

Assim como a mania, que seria o outro lado dessa moeda, afirma Larissa. “Seria sintomas de uma euforia exacerbada. A pessoa quer fazer tudo, tem vontade de tudo, tem muita energia, quer fazer acontecer, acha que dá conta de tudo e quer realizar as coisas muito por impulso, sem pensar. A mania também tem desde a mais leve, que é a hipomania, até a mais aguda que pode sim ter sintomas de delírios e de um quadro mais psicótico, que é quando a pessoa aparentemente está fora de si”.

A psicóloga destaca que as pessoas precisam entender que a bipolaridade tem a depressão de um lado e a mania do outro, nos seus casos mais extremos, e vem graduando de formas diferentes. E esses estados de humor vão se alternar. “É interessante tirarmos um pouco do mito de que a bipolaridade é aquela pessoa que muda de ideia com muita facilidade ou de uma pessoa que pela manhã está bem e à noite está triste. Isso não é bipolaridade. Isso pode ser um humor do dia. É por isso que temos que considerar os três fatores que eu comecei falando para que possamos entender se estamos de uma bipolaridade ou de uma alteração de humor nesses tempos difíceis que temos passado”, diz

Nesse caso específico, o próprio marido relatou que a sua esposa aparentemente era normal, vivia uma vida tranquila. Larissa explica que identificar um comportamento bipolar em alguém é difícil para as pessoas que não tem treinamento, que não são da formação da saúde. Para os profissionais da saúde, a dificuldade está porque se precisa de em um acompanhamento longitudinal. “Como eu disse, a bipolaridade não é a mudança de humor no mesmo dia. Ela tem um tempo para acontecer, dependendo do tipo da bipolaridade. Temos três tipos de diagnósticos de bipolaridades possíveis. Então, vamos precisar de um tempo para acompanhar a pessoa”.

Para os familiares e os amigos identificarem se a pessoa tem bipolaridade ou até qualquer outra questão que envolva a saúde emocional, que não precisa ser necessariamente um transtorno psiquiátrico, é perceber se aquela pessoa tem uma mudança de comportamento ou de vida que não faça sentido, que não tenha um contexto. “É preciso identificar se ela era uma pessoa que gostava de ir para a academia, que estudava, que estava cheia de planos de vida e de uma hora para outra ela vai perdendo o interesse, tudo vai deixando de ter graça, ela não tem mais vontade de fazer as coisas, ou seja, vai acontecendo uma mudança de comportamento significativa na vida dela e que a gente não consegue entender o contexto”.

É nesse momento, alerta Larissa, que os amigos e a família devem conversar com a pessoa, tentar, principalmente, oferecer uma ajuda profissional e entender que a psicologia e a psiquiatria não estão somente para cuidar dos casos de crises extremas. “A gente está aqui para evitar que cheguem a situações dessas crises mais extremas”, diz.

O relatório descreve que a comerciante, flagrada tendo relações sexuais com um homem em situação de rua, apresenta alucinações auditivas, delírios grandiosos e de temática religiosa, alteração de humor, comportamento desorganizado e, por vezes, inadequado. Conforme a psicóloga, essa é uma das fases do transtorno bipolar. “Dentro de cada tipo, teremos a fase. O tipo 1 da fase da bipolaridade é onde se tem um quadro de mania que pode perdurar por mais ou menos duas semanas, que tem um sofrimento extremo. Uma das características dele são delírios e alucinações com aspectos mais psicóticos”.

Já no tipo 2 de transtorno bipolar, tem-se o quadro da hipomania, que é esse momento onde a pessoa aparentemente está mais disposta. Os da mania são um pouco mais leves, mais brandos. “Usualmente no tipo 2, os quadros depressivos são mais e mais intensos”, completa.

Existe ainda, dentro da bipolaridade, o transtorno ciclotímico, que é onde a pessoa vai alternar entre a hipomania e, eventualmente, a mania e a depressão, sem necessariamente atender a um desses critérios, mas criando um ciclo próprio dessa alternância. “Essa descrição feita no caso da comerciante é da fase em que ela está dentro do diagnóstico que ela tem, que é da bipolaridade. Provavelmente esse laudo, pelo que eu entendi, não esclarece qual é o tipo de bipolaridade que ela tem. Eles estão discriminando, estão explicando qual é a fase em que ela está nesse momento do diagnóstico que ela já tem”, explica.

A pessoa com transtorno de bipolaridade terá que conviver a vida inteira com esse distúrbio. O tratamento, de acordo com a psicóloga, é um conjunto de intervenções feitos com psicoterapia, de outras terapias complementares ou de outros tratamentos que vão ajudar a pessoa com uma melhora na qualidade da alimentação, da atividade física, terapia ocupacional, a própria psicologia e também uma intervenção medicamentosa.

“Devidamente tratados, os pacientes que tem o diagnóstico de bipolaridade vão ter uma vida de qualidade e funcional. A psicoterapia vai entrar como uma principal ajuda para que ela consiga identificar e evitar as situações que poderiam levá-la ao quadro de mania mais agudo ou a um quadro de depressão mais agudo, o que faz com que elas se sentam muito mal. Evita ainda que essas pessoas tenham comportamentos que podem ser prejudiciais a elas mesmas ou a outras pessoas”, explica.

A psicóloga acha ainda importante trazer ao grande público informações sobre a saúde. “Espero que este caso e essa nossa conversa possa ter trazido informações sobre a bipolaridade. Mas não fiquem presos a isso se vocês têm qualquer questão emocional que não está muito bem resolvida. Busquem ajuda e auxílio profissional. Nós, psicólogos e psiquiatras, somos profissionais treinados para cuidar de você e não só de doenças. Procure ajuda profissional se você sentir que precise. Se sentir que outra pessoa precisa, oriente ela também. Existem esses profissionais disponíveis também pelo SUS para que você encontre o apoio necessário”, finaliza.

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