Adquirir a casa própria ainda é um sonho de muitos brasileiros. E para isso, alguns têm optado em realizar a compra do imóvel através do contrato de gaveta, um tipo de negociação que vem crescendo no país. Mas quais os benefícios e malefícios desse instrumento de compra e venda? Sobre esse assunto conversamos com a advogada Ângela Raiana, especialista em Direito Imobiliário.
Segundo a advogada, o contrato de gaveta é feito em particular, entre as partes que vão fazer a venda e a compra de um imóvel. Esse contrato é muito utilizado em casos de que quando o vendedor contraiu o financiamento no banco, porém não pôde pagar. Ou mesmo se ele deseja se desfazer do imóvel. “Com isso ele vai repassar para o comprador através desse contrato. Mas lá no banco, no agente financeiro, vai continuar ainda em nome do vendedor esse imóvel”, explica.
Questionada sobre se comprar um imóvel através do contrato de gaveta, é seguro e válido e se o direito reconhece essa modalidade, a advogada destaca que o comprador não poderá fazer a transferência nem no agente financeiro, nem no cartório de imóveis. “Porém é um documento em que atesta essa transferência. Ou seja, vai haver essa comunicação de transferência. Não vai poder fazer o registro, mas vai haver obrigações entre as partes”.
Se for um contrato bem redigido, dizendo quem está vendendo ou quem está comprando, quais são os valores, qual o valor da entrada, o valor do parcelamento, em caso de desistência qual é a multa, vai existir uma obrigação entre as partes. “Só que não vai existir uma segurança jurídica porque hoje o órgão responsável por isso é o cartório de registro de imóveis. Mas vai existir uma segurança jurídica no âmbito particular. Das obrigações contraídas”, diz.
Caso alguma das partes venha a falecer, a advogada explica como os herdeiros podem recorrer a esse imóvel. Conforme ela, normalmente nos contratos de gaveta também já se colocam algumas situações tanto para quando o vendedor falece, como para o comprador. Quando é o vendedor, e geralmente há o financiamento habitacional, já existem alguns seguros embutidos que, em caso de falecimento, há a amortização. “Para quem é herdeiro do vendedor tem essa segurança. Segurança de que aquele imóvel vai ser amortizado, vai ser quitado”.
No caso do comprador, o agente financeiro não tem essa comunicação. Então este débito passaria, em regra, para o vendedor. “Por isso que é importante, na menção desse contrato de gaveta, falar que, em caso de falecimento do comprador, os herdeiros assumem esse débito. Esse contrato deve listar essas vertentes futuras porque geralmente o imóvel que é financiado leva no mínimo 10, 15 e chega até 30 anos para quitação total”.
Caso esse imóvel seja quitado antes desse tempo ou quite mesmo no tempo previsto, é necessário fazer essa transferência. Existem várias formas de regularizar o imóvel hoje, ressalta a advogada. O contrato de gaveta é chamado de justo título que seria um documento comprovando a boa-fé, que de fato ele comprou e que durante todos esses anos vinha pagando o financiamento. “Se se tratar de um imóvel em condomínio, que ele vem pagando também a taxa de condomínio, IPTU. Ele vai ter ali todas as prova a favor dele e de que ele consiga futuramente fazer essa transferência”.
Como se está trabalhando com leis, com provimentos, principalmente em cartório de imóveis, diz Raiana, não tem como garantir como vai ser no futuro essa exigência. Mas o fato dele ter esse documento, gera o justo título para ele e uma boa fé do procedimento para que ele consiga futuramente uma transferência para o nome dele.
Quem faz esse tipo de negócio, ao invés de ir no cartório registrar um documento com fé pública, é por que esse imóvel é financiado e não há possibilidade de vende-lo da forma que normalmente é feita. E não é que o contrato de gaveta é um documento inválido, alerta a advogada. “Como eu disse anteriormente, ele só tem validade o que está nas partes do contrato. Ou seja, vendedor e comprador. O único impedimento é conseguir utilizar esse instrumento como oficial para garantir a transferência no cartório de registro de imóveis e também a mudança do financiamento”.
Para quem conseguiu o financiamento é justamente porque conseguiu uma garantia de crédito, o Banco tem que ver o seu salário, a sua vida. Tanto no agente do sistema de financeiro de habitação, como também no cartório deste imóvel, eles não vão aceitar essa transferência. “Mas você vai ter um documento válido para outras situações”.
Perguntada se existem outros riscos, além desses, em relação ao contrato de gaveta, Raiana afirma que fala sempre que ele trará o bônus e o ônus para as duas partes. Com a pandemia, muitas pessoas que tem imóveis não conseguiram pagar as parcelas de financiamento. Quem mora em condomínio ainda tem taxa condominial e desejaram passar esse imóvel.
“Quando você consegue o comprador de boa-fé, que vai honrar a parcela do financiamento, que não vai precisar ter um financiamento no seu nome, porque muitas vezes as pessoas não conseguem o mesmo o crédito para o financiamento, vai ser uma oportunidade para o vendedor e naquele momento para o comprador de possuir um imóvel. O sonho da casa própria vai ser aquele momento”.
Mas a advogada destaca que é preciso se atentar para os malefícios para as duas partes. Para o vendedor, neste caso quando ele passa, está continuando o nome dele. O condomínio, o IPTU, o financiamento, tudo está em seu nome. Se esse comprador não paga, as incidências vão para o nome dele, como as cobranças, as negativações, as ações iniciais.
Em contrapartida, o malefício para o comprador é que, quando ele faz a compra do contrato de gaveta, não passa para o nome dele. Caso esse vendedor tenha alguma situação como trabalhista, fiscal, e esse imóvel venha sofrer algum tipo de penhora, esse comprador é prejudicado porque não está em seu nome, mas no do vendedor, explica a advogada. “Ou seja, ninguém só perde e ninguém só ganha, mas há uma forma de um equilíbrio”. Na verdade, conforme a advogado, o contrato de gaveta deve ser usado de forma momentânea. “A longo prazo, o ideal é a regularização com a quitação e com a efetiva transferência no cartório”.
Os cuidados que as pessoas devem ter ao adquirir um imóvel através do contrato de gaveta é, em primeiro lugar, de saber quem é esse vendedor, checar a sua vida pregressa. “Muitas vezes a pessoa está passando este imóvel porque está devendo o financiamento, devendo taxa de condomínio. É importante se atentar. É aconselhável ainda que reconheça a firma em relação às assinaturas, que haja a assinatura de duas testemunhas para gerar um título executivo, ter muita clareza nas cláusulas desse contrato e o que que está expresso nele como multa, inadimplência, rescisão e, principalmente, recibos de pagamento que foram feitos. Deixar tudo bem guardado. Tudo é tudo isso é essencial para formar um justo título e para demonstrar a boa fé”, diz.
Durante toda a elaboração do contrato e da contratação em si, deve-se ainda ter o auxílio de um advogado ou um corretor para que seja feito da melhor maneira e da forma mais clara possível. “Contrato de gaveta é um documento que a gente vem utilizando há um certo tempo e ajudou muitas famílias. Isso é inegável. Principalmente nesse momento de pandemia. Muitas pessoas não conseguiam cumprir com seus compromissos e os sonhos foram suspensos em algum momento, afirma Raiana. “Acredito que ajudou muitas pessoas, porém a gente tem que usar com cautela e muita responsabilidade”.
Ela disse que o que ela mais viu neste momento de pandemia foram muitos corretores irresponsáveis tratando de forma aleatória essa transação, como se a compra e a venda fosse algo muito barato. “Como se fosse um uma coisa de R$ 10 que você chega ali e consegue ressarcir. Precisamos ter cuidado com o nome e com os sonhos das pessoas. Tem que procurar clareza, o máximo de informações, tirar as certidões negativas do imóvel, da pessoa que está vendendo, tentar fazer um contrato bem sólido para que isso não se torne um pesadelo e seja o que deve ser, um sonho”, finalizou.
Com informações da repórter Engledy Braga
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