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Polícia Feminicídio

Feminicídio cresce no território brasileiro, mas reduz na Bahia

De 1º janeiro a 19 de novembro deste ano foram contabilizados 86 feminicídios no estado. Uma redução de 7,5% se comparado ao mesmo período de 2022.

27/11/2023 08h18
Por: Karoliny Dias Fonte: Tribuna da Bahia
Foto: Romildo de Jesus
Foto: Romildo de Jesus

Antes do termo feminicídio passar a existir, grandes filósofas feministas, a exemplo de Simone de Beauvoir (1908-1986), já tentavam explicar para o mundo que a hierarquia social do gênero masculino, o patriarcado, o peso do conservadorismo e suas imposições na sociedade são capazes de matar as mulheres.

Passadas algumas décadas, as mortes de mulheres provocadas por essas problemáticas foram se tornando mais explícitas e as legislações de diversos países adotaram o termo feminicídio para defini-las:  crime de ódio baseado no gênero, como o assassinato de mulheres em violência doméstica ou em aversão ao gênero da vítima, ou seja, matá-las apenas por serem mulheres.

No Brasil, somente no primeiro semestre deste ano foram registrados 722 feminicídios. A quantidade é 2,6% maior que nos seis primeiros meses de 2022, quando foram registrados 704 casos dessa natureza. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com base em levantamento junto às Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Segundo o Fórum, o número do primeiro semestre deste ano é o maior da série histórica para um primeiro semestre já registrado pela entidade desde 2019. O crescimento foi puxado pela alta de 16,2% (de 235 para 273 casos) dos casos no Sudeste, única região do país que apresentou aumento destes números nos seis primeiros meses. Já nas outras regiões, os casos diminuíram em relação a 2022.   A maior queda percentual deu-se no Nordeste (-5,6%) e a menor, no Norte (-2,8%).

Na Bahia também houve redução, de acordo com dados da Polícia Civil. De 1º janeiro a 19 de novembro deste ano foram contabilizados 86 feminicídios no estado. Uma redução de 7,5% se comparado ao mesmo período de 2022, quando se notificou 93 crimes deste tipo. Há, porém, uma questão que especialistas alertam cotidianamente aos poderes públicos, que é a subnotificação.

O crescimento dos feminicídios no Brasil é atribuído ao corte e extinção de políticas públicas de combate à violência contra as mulheres que passaram a acontecer a partir do segundo semestre de 2016.

A secretária de Políticas Públicas para Mulheres da Bahia, Elisângela Araújo, reforça que a violência contra a mulher faz parte de uma cultura. “É difícil identificar o agressor porque ele pode ser qualquer um. Por isso, as políticas de sensibilização e conscientização são importantes e funcionam tanto para aumentar as denúncias, quanto para prevenir os crimes”, diz.

No Brasil, após a instituição da Lei Maria da Penha, em 2006, o termo feminicídio passou a ser mais utilizado. E em 2015 entrou em vigor a Lei do Feminicídio.

Coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado na Bahia, Tailane Muniz afirma que entre os desafios para combater o feminicídio está o fomento de políticas públicas que tornem as mulheres cada vez mais independentes financeiramente de seus parceiros. “Outra dificuldade é a de quebrar ciclos de violência dentro de casa, já que a violência não acontece de um dia para o outro. O feminicídio é a consequência mais trágica de uma série de outras violências. Também é preciso políticas formativas para que não sejam naturalizados comportamentos violentos dos homens com suas parceiras”, afirma.

Muniz afirma que, para além dessas questões, existe ainda o alto número de armas em circulação nas mãos de civis. “Nos últimos quatro anos vimos a facilidade na compra de armas, isso torna as mulheres ainda mais vulneráveis a sofrerem feminicídio ou tentativa de feminicídio”, explica. 

Para a coordenadora, ainda falta muito a ser feito. Ela ressalta dados que mostram que as delegacias não funcionam 24 horas e 7 dias na semana em diversos estados, como em Pernambuco. Mas destaca a Ronda Maria da Penha na Bahia como uma política pioneira voltada para a proteção de mulheres. “Mas ainda com um efetivo insuficiente. Ou seja, as vítimas não estão totalmente protegidas. Também carecemos de dados de qualidade para o planejamento de políticas públicas. O Brasil até hoje não tem um banco nacional de homicídios. Mas há medidas em curso que merecem ser destacadas”, diz Tailane Muniz, dando como exemplo o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídio, que, entre as suas medidas, determina a entrega de 270 unidades móveis para realizar o atendimento direto de acolhimento e orientação às mulheres.

Questionada sobre quais seriam as ações mais contundentes de combate ao feminicídio, Tailane Muniz afirma ser fundamental que o Estado ofereça políticas de acolhimento e trabalho e renda para as vítimas. “A Ronda Maria da Penha é uma ação pioneira e de extrema importância na prevenção da violência doméstica e é imprescindível que esteja sempre no horizonte do Estado fortalecer ação dessa natureza. É essencial também que os mecanismos de denúncia e investigação sejam aprimorados, com delegacias preparadas para atender às mulheres vítimas da violência”. Pontua.

“E, finalmente, é preciso melhorar a produção de dados sobre esse crime, o perfil das vítimas e dos agressores. Para que de fato possamos planejar políticas eficientes”.

Termo feminicídio surge no mundo por meio de socióloga sul-africana

Crime passional? - Durante muitos anos milhares de mulheres foram assassinadas e a estes crimes eram dados variados motivos, muitos deles produzidos pela cultura machista que contribuiu para a justificativa de matar em nome do amor e propiciou às leis a interpretação do crime passional como legítima defesa ou defesa da honra. “A representação do mundo é obra dos homens, eles a descrevem a partir do seu próprio ponto de vista”, apontava Beauvoir, ainda na década de 50.

O termo feminicídio nasce oficialmente para o mundo através da socióloga sul-africana Diana Russel, no primeiro Tribunal Internacional de Crimes contra as Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica, em 1976, onde ela apresentou sua pesquisa sobre violência sexual contra mulheres e definiu a expressão como “o assassinato intencional de mulheres ou meninas apenas porque elas são mulheres”. 

Diante da constatação de que a enorme quantidade desses crimes não era discutida e combatida pela sociedade, o termo incitou países democráticos a expulsarem o machismo intrínseco também nas legislações, colaborando com a promoção da igualdade de gênero e fortalecimento dos direitos e da proteção à vida delas. 

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