Mãe de duas garotas em idade escolar, Teresa Pereira*, tem vivenciado cotidianamente as dificuldades enfrentadas por elas no retorno à rotina escolar presencial. No 3º ano do ensino médio, a mais velha, com 17 anos, já teve duas crises intensas de ansiedade, além de relatar casos de colegas que vomitaram na escola e até foram parar no hospital.
Na sua percepção, houve muita defasagem no aprendizado online, mas o nível de cobrança nas escolas não contempla isso, o que ela percebe também em relação à filha caçula, que tem 14 anos e está no 9º ano do ensino fundamental. Esse descompasso fica ainda mais evidente no momento das avaliações e dos simulados para o Enem, ressalta a mãe.
“A frustração também de receber notas ruins e a percepção que não aprendeu ou que ‘não vai dar conta’ é muito forte. A tristeza disso tudo é que a ansiedade e autocobrança geradas por todo esse processo viram um ciclo vicioso, que diminui a autoestima do aluno e dificulta ainda mais o processo de aprendizado”, avalia Teresa*.
Ao observar como essa retomada tem se desenrolado para as duas filhas, sua sensação é de que “a escola não se preparou adequadamente para esse retorno no que diz respeito a questões como acolhimento e cuidado verdadeiro com a saúde mental dos alunos. Me parece que existe uma percepção generalizada na nossa sociedade de que isso pode ser negligenciado”.
Professor de língua portuguesa e de projeto de vida no Salesiano Dom Bosco, Marcos Pessoa recorda que o corpo docente tem observado dificuldades de readaptação dos alunos desde o início das aulas híbridas. “Alunos relatam, já na primeira unidade, um cansaço, uma apatia, uma certa ansiedade na hora de fazer as avaliações. A gente está entrando agora na semana de avaliação e isso está gerando nos alunos uma certa ansiedade”, conta.
No geral, essa ansiedade tem se apresentado de maneira mais difusa, mas ao menos uma aluna relatou para Pessoa ter chorado durante a prova, por se sentir emocionada e afetada pela situação. Outro aspecto notado por ele, nos alunos do ensino médio, é a dificuldade no estabelecimento de uma rotina escolar e no cumprimento de regras, após quase dois anos tendo aula online em casa.
Com a retomada do presencial, o professor tem percebido uma maturidade aquém da esperada para a faixa etária e classe escolar, e alunos mais inseguros quanto à realização de suas atividades e também no convívio social. Segundo afirma, o corpo docente vinha se preparando para lidar com essas questões e está atuando de forma conjunta para minimizar esses impactos sobre os estudantes.
“Algo já não vinha bem no campo da educação mesmo antes da pandemia. A exigência que era feita para crianças e adolescentes num sentido único de passar no exame do Enem”, avalia o psicanalista Cláudio Carvalho. Com a perda da interação social fora da família, resultante do ensino remoto imposto pela pandemia, ele aponta a ocorrência de uma regressão cognitiva e de habilidades emocionais nesses estudantes.
“O que tem chegado enquanto queixa das famílias são as crises de ansiedade de jovens, principalmente do público adolescente. Tem uma coisa que é específica desse público, os adolescentes estão saindo da família, formando novos grupos fora da família, se afastando dos pais, e nesse momento eles foram obrigados a retornar e ficar em casa”, comenta Carvalho. É nesse convívio, acrescenta, que eles dividem angústias próprias dessa idade e se auxiliam na elaboração dessas questões.
Ansiedade
O psicanalista considera que a ânsia das escolas e famílias em tentar recuperar o tempo perdido, o que não é possível, está aumentando ainda mais o foco conteudista. “O volume de assuntos, com os resultados que aparecem, e as exigências, como se não tivesse havido pandemia, isso é o que está levando muitos adolescentes a manifestarem crise de ansiedade, até com episódios de vômito e desmaio”, diz.
Considerando o caso do grupo de alunos de Recife que apresentou crise de ansiedade de forma simultânea, Carvalho explica que em episódios do tipo pode haver um “efeito contágio”, resultado da identificação com o que o semelhante está sentindo. “O mal-estar somático é uma forma que aqueles adolescentes encontram de realizar no comportamento o que não estão podendo colocar em palavras”, conclui.
Para o psicanalista, a reversão desse cenário vai além da atuação nas escolas, enquanto instituições. “A gente precisa recuperar o sentido de comunidade escolar, a comunidade escolar não é só a instituição escola, mas os alunos, os professores, todos os envolvidos diretamente na questão escolar. É importante que se criem espaços de discussão e orientação com as famílias, que a gente possa criar uma rede protetiva em torno de infância e juventude”, defende.
Pandemia afetou a socialização
A reação das crianças e adolescentes à rotina escolar presencial tem sido bem diferente da esperada, admite o diretor porta-voz do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino da Bahia (Sinepe-BA), Jorge Tadeu Coelho. Mais individualismo e impaciência são alguns dos aspectos que ele atribui ao fato de terem passado tanto tempo fora dos processos de socialização integrantes da educação.
“As escolas estão lidando com isso de uma maneira muito atenta, falando muito sobre isso”, garante Coelho. Ele defende a necessidade de aprofundar a discussão dos aspectos emocionais e psíquicos. “O que é que houve com essas crianças e esses jovens? Qual foi o impacto dos dois anos de isolamento nessa subjetividade?”, são as questões que avalia como centrais.
As perdas na capacidade de socialização também têm sido observadas nas escolas da rede estadual, aponta o superintendente de Políticas para a Educação Básica, Manoel Vicente da Silva Calazans. “A gente tem que dar uma freada nessa ideia conteudista, para trabalhar valores, trabalhar aspectos de socialização. A gente não pode pegar os estudantes que estão apresentando essa ansiedade, medicar e e achar que está tudo resolvido”, defende.
Uma das medidas adotadas pela Secretaria da Educação da Bahia, conta Calazans, é a oferta de acompanhamento e monitoramento com psicólogos. O foco do trabalho é “instrumentalizar o professor para lidar com essa situação, para enfrentar esses temas na sala de aula, fundamentar o professor para enfrentar a questão do medo, da segurança em estar com o outro e do respeito às características que o outro tem, dentro do seu planejamento”.
Na rede municipal, mais de 80% do corpo estudantil é formado por crianças, ressalta a gerente Regional de Educação de Itapuã, Cristina da Mata. “Para as crianças menores, a gente tem uma estratégia metodológica que inclui a acolhida, então temos recebido muitos relatos de como essas crianças têm chegado mexidas, com comportamento alterado”, conta, acrescentando que eles recebem o suporte das pedagogas das unidades e quanto necessário é acionada uma equipe de apoio.
Mantendo um projeto de atendimento psicológico a professores desde o início da pandemia, a APLB Sindicato tem orientado que as escolas envolvam as famílias no trabalho de readaptação dos alunos. Membro do Conselho Fiscal da APLB, a psicopedagoga e psicanalista Zenaide Barbosa Ribeiro afirma ter se prontificado a participar desses encontros nas escolas da rede municipal.
*Nome fictício a pedido da entrevistada
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