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Mortes por desafios online acendem alerta: pediatras e famílias pedem vigilância

Segundo dados do Instituto DimiCuida, que monitora acidentes com crianças e adolescentes no Brasil, pelo menos 56 jovens com idades entre 7 e 18 anos morreram ou sofreram ferimentos graves desde 2014.

23/04/2025 08h25
Por: Karoliny Dias Fonte: Tribuna da Bahia
Foto: Romildo de Jesus
Foto: Romildo de Jesus

Duas tragédias ocorridas em um intervalo de poucas semanas em diferentes regiões do Brasil trouxeram à tona um alerta cada vez mais urgente para pais, responsáveis e profissionais de saúde: o risco real e crescente dos desafios online entre crianças e adolescentes. No último mês, duas meninas — Brenda Sophia Melo de Santana, de 11 anos, e Sara Raíssa Pereira, de apenas 8 — perderam a vida após inalarem aerossol de desodorante em um desafio viralizado nas redes sociais. As mortes aconteceram em Bom Jardim, município do Agreste de Pernambuco, e em Ceilândia, no Distrito Federal, respectivamente, e reforçam o alerta da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sobre os riscos físicos e emocionais envolvidos nesse tipo de conteúdo.

Segundo dados do Instituto DimiCuida, que monitora acidentes com crianças e adolescentes no Brasil, pelo menos 56 jovens com idades entre 7 e 18 anos morreram ou sofreram ferimentos graves desde 2014 ao participarem de “brincadeiras” ou desafios virtuais. Entre os comportamentos mais perigosos identificados estão práticas como sufocamento, asfixia, apneia, autoagressão e ingestão de substâncias nocivas. A SBP destaca que esses conteúdos não são inofensivos nem parte de uma simples fase de curiosidade infantil, mas representam um risco sério que pode ser fatal.

O pediatra recifense Marcos Aurélio Rocha ressalta que a idade em que crianças começam a acessar conteúdos digitais caiu drasticamente nos últimos anos, muitas vezes sem nenhum tipo de supervisão. “Hoje é comum ver crianças de 6 ou 7 anos com celular na mão, sem bloqueios, sem controle parental. Isso as torna vulneráveis a conteúdos perigosos que se espalham muito rápido. Muitos pais não têm ideia do que seus filhos estão consumindo na internet”, afirma.

Ele alerta ainda que a ausência de diálogo e de uma rotina de escuta dentro de casa contribui para que crianças se aventurem em comportamentos de risco sem medir as consequências.

Em Salvador, um casal que prefere não se identificar relatou à reportagem um episódio que consideram um divisor de águas na criação do filho de 12 anos. Tudo começou quando o garoto passou a apresentar comportamentos mais agressivos e isolados. A mãe desconfiou da mudança repentina e decidiu verificar o histórico de navegação no celular. Foi então que se deparou com vídeos de um desafio perigoso envolvendo asfixia.

“Eu fiquei em choque. Na hora, chamei meu marido e decidimos agir imediatamente. Tiramos o celular, conversamos com ele por horas, choramos juntos. Ele achava que era só uma brincadeira, não tinha ideia do risco”, contou. Desde então, o casal instituiu regras rígidas sobre o uso de tecnologia, bloqueou aplicativos e passou a acompanhar de perto o consumo digital do filho. “Hoje temos medo até do que pode parecer inofensivo. E temos certeza de que só o diálogo constante salva.”

A família do educador Paulo Lima, também de Salvador, segue uma linha preventiva. Com uma filha de 10 anos e um filho de 13, Paulo e a esposa estabeleceram uma rotina de conversa diária sobre o que os filhos acessam, além de utilizar aplicativos de controle parental nos dispositivos. “A gente não proíbe o uso, mas acompanha de perto. Perguntamos o que estão assistindo, falamos dos perigos. Criamos um vínculo de confiança para que, se algo estranho aparecer, eles saibam que podem vir conversar com a gente”, explica.

Na Bahia, embora não haja registros recentes de mortes diretamente associadas a desafios como os ocorridos no Distrito Federal e em Pernambuco, especialistas apontam que o risco é real e presente. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), os atendimentos de emergência por intoxicação acidental em crianças e adolescentes vêm crescendo, especialmente entre os 10 e 14 anos, faixa etária considerada de maior vulnerabilidade para esse tipo de comportamento impulsivo. A Sesab destaca a importância de campanhas educativas nas escolas e da participação ativa das famílias na mediação do uso da tecnologia.

O desafio do desodorante, como ficou conhecido, não é um caso isolado. Outros desafios igualmente perigosos, como o da "asfixia lúdica" (também chamado de “jogo do desmaio”) ou o do “apagão”, já foram registrados em diversas cidades brasileiras e continuam circulando nas redes sociais com novas roupagens. O apelo desses conteúdos se dá, em grande parte, pela curiosidade infantil, pelo desejo de pertencimento a grupos e pela ilusão de que “nada vai acontecer”. No entanto, como mostram as estatísticas e os tristes episódios recentes, as consequências podem ser trágicas.

Diante desse cenário, especialistas e familiares reforçam que a melhor ferramenta de prevenção continua sendo a informação. Conversas francas e frequentes sobre os perigos, o uso consciente da internet e a construção de um ambiente de confiança dentro de casa são indispensáveis. A SBP recomenda também que pais e responsáveis procurem apoio médico ou psicológico caso notem comportamentos estranhos, mudanças de humor ou sinais de exposição a conteúdos potencialmente perigosos.

As mortes de Brenda e Sara escancararam uma realidade que exige ação imediata. Cada vídeo, cada postagem, cada “desafio” que circula nas redes pode ter um impacto devastador quando não há mediação adequada. O luto dessas famílias precisa se transformar em alerta nacional. Proteger a infância no ambiente digital é hoje uma responsabilidade coletiva — que começa dentro de casa, mas precisa ser abraçada por toda a sociedade. 

 
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