A psicopedagoga Erika Aparecida Lima, doutora em ensino pela UFBA e pedagoga do Instituto Federal da Bahia - IFBA em Feira de Santana, falou sobre o ensino domiciliar, o chamado Homeschooling, no Brasil. Começa hoje (segunda-feira, 27) o ciclo de seis audiências públicas, na Comissão de Educação do Senado Federal, para instruir o projeto de lei de nº 1338/2022, que autoriza a oferta domiciliar de educação básica no país.
O projeto de lei, que tem críticas feitas por especialistas em educação, já foi aprovado na Câmara dos Deputados. O texto também prevê uma série de diretrizes, entre elas que o estudante precisará estar regulamentado em uma instituição de ensino franquiada. Além disso, os pais que optarem por os seus filhos estudarem em casa deverão ter no mínimo um nível técnico ou ensino superior completo.
Para entendermos melhor o debate sobre o ensino domiciliar, a psicopedagoga Érika Aparecida Lima explicou se o Brasil tem estrutura para atender a esse projeto. Ela disse que, com o surgimento do cristianismo e a sua evolução, veio a questão da educação escolarizada no Brasil. A religião passou a dominar as relações políticas e econômicas da Idade Média. Então, algumas mudanças nessas relações educativas aconteceram de tal forma que, até então, as famílias cuidavam da questão da educação das crianças.
Dessa forma, o que eu te pertencia somente ao grupo familiar como gestor, passa a ser um processo educativo. A nível de Brasil, essa mudança se dá mais ou menos em 1549. Havia uma divisão clara de ensino. As aulas que ocorriam nas escolas improvisadas construídas pelos próprios indígenas, que se chamava de missão e os filhos dos colonos que recebiam conhecimento nos colégios, locais mais estruturados por conta de todo investimento pesado.
“Saímos dessa educação das famílias e entramos 1549 nesse ensino sistematizado que nós temos hoje. Mas com a pandemia acendeu o outro viés. Surgiram mais discussões sobre o Homeschooling, que é a educação em casa, é o educar em casa. A partir do momento que a educação remota veio à tona, com uma necessidade emergencial, de um lado uns gostaram e de outros não, mas trouxe à luz o que antes não era palpável para muitos”.
Em uma pesquisa feita pelo jornal da Universidade de São Paulo (USP), em 2018, pela Carlota Boto, de que atualmente o país tem em torno de 3200 famílias, de acordo com o dado mais recente da Associação Nacional de Educação Domiciliar, que estão fazendo a educação dos seus filhos em casa. “Essa é uma realidade, tanto que nós temos um PL tramitando para sistematizar. Hoje, a nível de Brasil, isso é palpável com tramitação legal”.
Sobre vantagens e desvantagens, Érika disse que toda lei tem o ônus e o bônus. Para ela, essa questão de Homeschooling, de educação domiciliar, tem dois tipos de básicos. “Ela tem a independente, que aquela que os pais determinam os currículos e avaliações e diz que o seu filho vai estudar de acordo com as suas leituras e pesquisas ou com alguém que ele colocará para dar aula em casa. E tem um estudo domiciliar, com matrícula em instituição educativa. Ou seja, ele está matriculado numa instituição indicativa, só que essa educação é feita de forma híbrida. Ele tem aquele currículo que ele vai desenvolver em casa”.
Segundo Érika, o Homeschooling ganha relevância como movimento social com fortes implicações políticas porque, além da avaliação de que este aumento é um fenômeno do advento pós-pandêmico, é uma revolução silenciosa por que suscita questões sobre o sentido e a finalidade da própria educação. “A vantagem desse advento é o envolvimento dos pais no processo de ensino e aprendizagem dos filhos. Já que, na maioria das vezes, essa modalidade ela é regida pelos próprios pais, sendo eles os professores que vão escolher a metodologia e que vão estar mais tempo com os seus filhos nas estruturas das aulas. Eles terão aquele vínculo com o processo educativo”.
Sobre desvantagens, ela fala sobre os pais que trabalha. “Como ficará isso? E o acesso ao material? Será que todas as pessoas que gostariam de ter os seus filhos em Homeschooling vão ter acesso ao material? E a tecnologia? Como será isso? Se for no sistema híbrido, aquele que estará vinculado a uma educação formal, mas estará em casa, vão ter acesso ao computador? Os pais, as pessoas que vão socializar esse conhecimento, eles irão nesse local de estudo? Vai ter um local de estudo? Vai ter o acompanhamento das fragilidades educacionais? Como é que vai ser esse processo? E a socialização? E os vínculos socioemocionais?”, questiona.
Conforme a psicopedagoga, a escola não é só para sentar e aprender a ler e a escrever. Escola é socialização, é a reunião de pessoas, é saber viver em comunidade. “Temos hoje a “geração do quarto”. É aquele que fica no quarto, que não correm, que não brincam. São as crianças que não tem relações estabelecidas para além do conteúdo. Há uma perda no processo de socialização”. Então são os ônus e os bônus.
Em outros países, o ensino doméstico já é legalizado. Em alguns deles, como na Alemanha e na Suécia, se traduz na questão do dos pais. “A gente costuma sempre falar que é um ensino voltado para classe hegemônica, aqueles que tem tempo de se dedicar à sua família. Temos várias pesquisas como o de Tomás, de Bernardi, de 2016, que vai dizer, por exemplo, que na Dinamarca os pais são legalmente responsáveis por garantir que seu filho receba educação adequada. E a Constituição deles permite que eles forneçam uma educação domiciliar”.
No Brasil, esse processo está associado a elite, ressalta. O Homeschooling no país está intrínseco nas possibilidades dos pais para que eles ofereçam o ensino padronizado, acompanhado, selecionando esse material de estudo, além de eles poderem escolher os profissionais que farão parte desse processo.
“Essas 3200 famílias que hoje já tem essa verificação já estão dentro desse processo. Podemos entender que são famílias que tem toda uma condição e acompanhamento e que coloca profissionais dentro de sua própria casa. Há dez anos, o pesquisador André de Holanda Padilha fez trabalho científico falando que, no Brasil, a maioria das pessoas que são a favor do Homeschooling são brancas, de classe média, religiosos, compostos por pais casados, sendo que as mães estão disponíveis em tempo integral e os pais provedores. Em geral, eles são mais escolarizados que a média da população bem como também tem mais filhos que a média”.
Outra questão que é importante salientar, diz Érika, é que um ensino individualizado e tem um conhecimento que é aprofundado pelos pais. Outro ponto primordial é que ele possibilita aos pais das classes privilegiadas que poderão fazer o horário de estudo o que possibilitará a ele viajar com mais facilidade, podendo ter uma vida social sem ter que cumprir cronogramas exigidos pelo calendário escolar.
“Isso é uma possibilidade, mas não há uma igualdade. Quando pensamos no ensino domiciliar, precisamos entender que, para além da igualdade, precisamos pensar na equidade, ou seja, que as diferenças entre as pessoas sejam consideradas. E nós estamos muito longe disso a nível de Brasil e nós vimos isso com ensino remoto. As possibilidades não foram iguais”.
A psicopedagoga disse que o Homeschooling não acentuará a desvalorização do profissional da educação porque isso já acontece. E esse viés da desvalorização ele é estrutural, complexo, social e sistêmico. “É um projeto de nação essa desvalorização. Nós não temos um país que olha para a docência com o olhar que olha para as outras profissões. E a gente entende que isso é para além de uma lei. Não é uma lei, não será uma legislação que mudará esse contexto. Porque são inúmeros fatores que levam a essa desvalorização”.
Na pandemia, a classe popular sofreu com a ausência do ensino esquematizado, lembra Érika. “Os pais se viram perdidos nessa ausência. Eles não sabiam como ensinar os seus filhos porque não tinha condições. A pandemia trouxe isso muito à tona, pais completamente inseguros quanto ao processo educativo tendo que exercer tal papel no lockdown”. A profissional concorda que essa legislação pode acentuar essa questão social.
Em relação a existência de inconstitucionalidade nesse projeto, Érika explica que, de acordo com a nossa Constituição Federal, no artigo 227, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, ao jovem, a absoluta prioridade a vida, a saúde, a alimentação e a educação. “Essa Carta Magna diz que a educação é dever da família, da sociedade e do Estado. Portanto, esses componentes ele deve agir de forma solidária, não limitando a responsabilidade das escolas”.
Mas ao mesmo tempo, ainda conforme ele, entendemos que há uma LDB que é a Lei de Diretrizes e Bases, a lei que rege a educação e hoje estamos sobre a LDB 9394 de 1996, vai afirmar que toda pessoa brasileira deve estar matriculada em uma escola de direito de ensino a partir dos quatro anos de idade. “Ou seja, nós temos hoje uma sistematização de uma questão escolar. Hoje os pais têm a obrigatoriedade de, a partir dos quatro anos, inserir os seus filhos na educação formal”.
Podemos pensar ainda, diz a psicopedagoga, que essa discussão dessa educação, para além da formalidade, é antiga. “Porque nós tínhamos um projeto de lei que é o 3079 de 2012 e tivemos outro projeto de lei que é o 3026 de 2015, que de maneira discreta já advogava sobre a questão dessa modalidade remota. Temos até uma associação nacional de ensino domiciliar. Podemos entender que há parecer jurídico, que é regido Alexandre Magno, um dos que advoga sobre esse assunto desde 2011, que diz que essa associação já está brigando por essa questão da educação domiciliar”.
Essa nova lei diz que vai alterar essa legislação nacional, que é a LDB, vai alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor essa possibilidade de oferta domiciliar da educação básica, diz. “Por esse motivo, hoje há uma inconstitucionalidade. Mas a partir do momento que essa legislação tramitar e esse projeto de lei for aprovado e virar uma lei, haverá plena condições dos pais optarem por essa questão”.
No Senado, há uma enquete questionado se os brasileiros são a favor do ensino domiciliar. Nela, são ao todo 34.036 pessoas votantes dizendo que “SIM” e são 30.001 dizendo que “NÃO”. “Se hoje fosse fechar essa consulta pública, nós estaríamos com esse projeto de lei aprovado para ser encaminhado. O ensino domiciliar, o Homeschooling no Brasil, é algo real e quase palpável”, finalizou.
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