O empresário bolsonarista Luciano Hang negou, nesta quarta-feira, à CPI da Covid que tenha omitido que a mãe dele, que morreu após contrair o novo coronavírus, tenha recebido remédios comprovadamente ineficazes contra o vírus. A resposta foi dada ao relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que perguntou por que o empresário, dono da rede lojas Havan, tinha mentido sobre o tratamento oferecido à mãe. Hang disse que, na verdade, lamentou o fato de ela não ter recebido tratamento preventivo, não tendo negado o tratamento precoce. Em um vídeo exibido pela comissão, após a morte da mãe, o empresário disse que não tinha dado o tratamento.
Hang é investigado em diferentes linhas de apuração. Uma delas é a respeito da omissão da causa da morte no atestado de óbito de sua mãe, que morreu vítima do coronavírus após ser medicada com remédios do chamado kit-Covid.
Renan Calheiros rebateu a resposta dada pelo empresário.
— Nós temos muitos documentos comprobatórios — disse Renan.
— Não, vocês têm narrativa. Vocês não têm provas — reagiu o empresário.
Renan citou o vídeo em que ele aparece de algema e provoca CPI da Covid dizendo que isso é para caso os senadores não aceitem o que ele falar no depoimento. O relator perguntou se as mortes por Covid-19 eram uma brincadeira. Hang afirmou que fez apenas uso do humor e não quis afrontar a CPI. Omar Aziz disse então que essa era uma desculpa esfarrapada.
Outras linhas da investigação são o incentivo do empresário ao tratamento precoce, que é comprovadamente ineficaz, e ao negacionismo, por questionar a metodologia na contagem do número de mortos e por supostamente financiar blogueiros bolsonaristas propagadores de Fake News. Ele ainda deverá ser confrontado com informações da investigação do Ministério Público do Trabalho que mira num suposta pressão para que empregados da Havan votassem em Bolsonaro na eleição de 2018.
Hang disse que jamais forçou seus funcionários para votar em um candidato. No entanto, há um vídeo dele mostrando o oposto; a gravação foi o que originou o inquérito no MPT.
Suspensão e pedido de desculpas
O depoimento do empresário bolsonarista tem sido marcado por bate-bocas e muita interrupção por parte dos senadores governistas e da oposição. Por causa das discussões frequentes ao longo da sessão, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), suspendeu a oitiva por cerca de 40 minutos até que o advogado de Hang deixasse a sala por ter ofendido o senador Rogério Carvalho (PT-SE). Na volta da sessão, o advogado Beno Brandão pediu desculpas e disse que não houve intenção de ofender Carvalho. Com isso, foi permitido que ele continuasse na sessão.
Logo no início da sessão, o advogado do empresário lembrou que, apesar de ter sido convocado como testemunha, Hang foi incluído na lista de investigados na comissão. Assim, exerceu o direito de se recusar a assinar o termo em que se comprometeria a dizer a verdade.
A estratégia de Hang é usar o holofote proporcionado pela CPI para antagonizar principalmente com o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), um dos principais inimigos do presidente Jair Bolsonaro hoje. Isso foi visto logo na chegada do depoente ao Senado, rodeado de senadores governistas. Ele deu uma declaração de poucos minutos antes do começo da sessão e afirmou que chegou à comissão sem um habeas corpus e pediu para que o deixem falar.
— Com muita tranquilidade, com muita serenidade, com paz e amor no coração, com o peito aberto, sem habeas corpus. É muito importante. Eu acho que quase todo mundo que veio à CPI trouxe um habeas corpus. Desde o princípio eu avisava aos meus advogados: eu não preciso de habeas corpus. Nada melhor do que estar sentado na frente de um delegado, de um juiz, de um promotor, e ter a verdade ao seu lado — disse Hang.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, está presente na CPI, numa mostra da importância que o governo dá a este depoimento. O parlamentar costuma aparecer apenas a sessões consideradas relevantes para o governo e tem a tendência de incitar confusões para atrapalhar o andamento do colegiado.
No começo do depoimento do empresário bolsonarista, Renan Calheiros reclamou da figura do "bobo da corte" que bajula o rei e desvia a atenção dos reais problemas. Flávio, entre outros senadores governistas, reclamaram que o relator estava ofendendo Hang. A fala gerou bate-boca entre os presentes
Tumultos
O senador Rogério Carvalho reclamou do comportamento de Hang e disse que ele deveria se ater às perguntas. Ao reclamar novamente do empresário, o senador foi rebatido pelo advogado de Hang. Rogério Carvalho se irritou e pediu sua retirada por entender que ele estava desrespeitando um parlamentar.
Em razão das divergências sobre a ocorrência de ofensa ou não do advogado, o depoente ironizou:
— Chama o VAR. Foi gravado. Volta o vídeo.
Após o início do tumulto, Luciano Hang também mostrou alguns cartazes, como um que diz "não me deixam falar". Omar ordenou que ele os entregasse para a segurança da comissão. O presidente da CPI também determinou que apenas um advogado poderia ficar ao lado de Hang. A sessão acabou sendo suspensa por alguns minutos para acalmar os ânimos.
Antes, Omar Aziz já tinha reclamado de Hang:
— Eu na sua condição, que fica aqui cantando de bom galo, e alguns aqui pegando corda, eu levava minha mãe à lua. Não era à Prevent Senior não. Não venha aqui dar uma de mais honesto. O senhor não é mais honesto do que ninguém aqui. E não é mais trabalhador do que nenhum brasileiro. O senhor gera emprego, mas ganha dinheiro. Agora, quando foi acusado lá atrás de ser sócio dos filhos da Dilma, do Lula, coloca a estátua da liberdade na frente da loja. Esse é o patriota.
Senadores governistas disseram que ele tem liberdade para fazer isso. Em seguida, houve novo bate boca em razão da atuação do advogado de Hang.
A sessão está tumultuada, com várias interrupções, e o relator da CPI conseguiu fazer poucas perguntas. Alguns senadores de oposição, aliados de Omar Aziz na comissão, reclamaram como ele está conduzindo a sessão. Foi o caso de Otto Alencar (PSD-BA) e Jean Paul Prates (PT-RN).
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) reclamou da presença de um homem que estava gravando vídeo atrás dele falando mal da CPI e atrapalhando que ele pudesse acompanhar o depoimento. O homem foi identificado como sendo o deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC).
— Vocês não tem uma prova do que estão falando.
Morte da mãe
Hang reclamou da exploração política da morte da mãe dele:
— É duro para mim ver a morte da minha mãe ser usada politicamente de forma vil e desrespeitosa. Tenho a consciência tranquila de que, como filho, sempre fiz o melhor para ela.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), rebateu:
— Na CPI, não usaram sua mãe politicamente. A primeira pessoa a falar que, se tivesse dado medicamentos do tratamento precoce, poderia salvá-la foi o senhor. Eu perdi minha mãe, mas não fui às redes sociais dizer isso ou aquilo.
Na sessão da quarta-feira da semana passada, Renan Calheiros perguntou a Pedro Benedito Batista Junior, diretor da empresa de saúde Prevent Senior, se a mãe de Hang foi internada com Covid-19 em um hospital da rede. Pedro Benedito confirmou que ela foi internada a pedido de Hang, mas disse que não poderia informar a doença sem autorização a família. Em vídeo publicado em rede social após a morte de sua mãe, Hang diz que ela havia chegado ao hospital "assintomática" e com 95% dos pulmões comprometidos. Ele sustenta que a sua mãe poderia ter sido salva se tivesse começado a tomar antes o "kit Covid" sem comprovação científica. A certidão de óbito, porém, não faz menção à doença.
— Um filho que utiliza dessa forma a sua mãe, trata com covid no hospital, com os medicamentos do tratamento precoce. E nós temos comprovação de que ele recomendou a médicos: olha, escondam que a minha mãe foi tratada com cloroquina para não desmerecer a eficácia do plano. Isso é uma coisa macabra, escabrosa, reprovável, repugnante sob qualquer aspecto — disse Renan na quarta passada.
— Filho desalmado, não é? — disse em seguida Otto Alencar (PSD-BA).
Contas no exterior
Em resposta ao relator da CPI, Hang disse que tem três contas no exterior, mas todas foram declaradas à Receita e são auditadas. O presidente da comissão explicou o motivo da pergunta: a CPI tem indícios de que ele usa tais contas para financiar fake news. Renan também questionou se a empresa já recebeu benefício fiscal dos governos federal, estaduais e municipais. Hang rodeou o assunto, mas ao fim disse que sim.
Ele também negou que a empresa tenha sido financiada pela BNDES, com exceção da compra de máquinas pelo Finame, uma linha de financiamento do banco de fomento. Ele afirmou que no ano passado, em razão da crise provocada pela pandemia, pegou empréstimos de bancos privados, como Bradesco, Itaú e Santander, mas não de bancos estatais.
Posteriormente, questionado de novo se a empresa já recebeu subsídios do poder público, ele disse não se lembrar. Em seguida, afirmou que deve ter recebido alguma coisa. Renan se irritou com a demora de Hang em responder a questão.
— Nós não estamos aqui para bater palma para doido. Estamos aqui para fazer perguntas — afirmou Renan.
O empresário também afirmou que, em 35 anos de empresa, trabalhou com bancos estatais. Perguntado se já operou com bitcoin, ele respondeu que nem sabia o que era isso.
Omar Aziz disse que ele já fez 57 operações com o BNDES. Hang contra-argumentou:
— A maioria delas para comprar equipamentos e máquinas e o terreno que comprei [em Franca-SP] — disse Hang.
Segundo a versão dele, a Havan livrou o BNDES de um abacaxi ao adquirir o terreno em Franca. Segundo Hang, uma outra empresa tinha comprado o terreno financiado, mas quebrou. Em passagem pela cidade, o empresário disse ter gostado do imóvel e fechou negócio para adquiri-lo.
Fake news
Renan perguntou se ele já financiou fake news. Hang respondeu que, ao contratar serviços de publicidade na internet, não tem controle sobre que páginas recebem o anúncio.
O relator da CPI exibiu um vídeo da deputada Carla Zambelli em frente a uma loja da Havan dizendo que era da filha de Dilma. No vídeo, Carla faz referência ao nome da loja, Havan, similar a Havana, capital de Cuba.
— O mais interessante disso tudo é chamar Havan a loja, com uma estátua da liberdade do lado. Quer chamar a gente de idiota, né — disse Carla Zambelli no vídeo.
'Não sou negacionista'
O empresário disse não ser negacionista.
— Eu não sou negacionista. Nunca neguei ou duvidei da doença. Tanto que minhas ações pró-saúde não ficaram só no discurso. Mandei 200 cilindros de oxigênio para Manaus, no valor de R$ 1 milhão, respiradores, máscaras, camas, utensílios, ajudamos na reforma de UTI, e destinamos R$ 5 milhões para a área da saúde. Nunca fui contra a vacina. Tanto que disponibilizamos os estacionamentos das nossas megalojas como pontos de vacinação — disse Hang, acrescentando:
— Nunca fiz parte de gabinete paralelo. Nunca financiei fake news.
Ele disse que, até cinco anos atrás, era uma pessoa desconhecida, mas teve que se manifestar para negar boatos de que suas lojas seriam na verdade de filhos dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Para aumentar a ironia, uma das pessoas que propagaram tais boatos na época é a hoje deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP).
'Bobo da corte'
Antes do depoimento, o vice-presidente da comissão, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que o colegiado vai tratar Hang com respeito e de acordo com o que prevê a lei, mas enfatizou que o empresário também deverá se portar da mesma forma. A CPI não vai tolerar desacato.
— A CPI não tolerará desacato, não tolerará que, na condição de testemunha, se falte com a verdade — afirmou, informando que a presidência da comissão vai utilizar os mecanismos que o inquérito policial dispõe para isso.
Também em entrevista antes da sessão, Renan Calheiros comentou a informação dada pelo próprio Hang de que o empresário tentou entrar com uma algema no Senado, mas o objeto foi barrado.
— Nós já estamos acostumados com esses bobos da corte. Não será o primeiro nem o último — disse Renan.
Defesa do presidente
O líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), entregou a Renan um parecer jurídico feito pelo pelo advogado Ives Gandra Martins e outros juristas para que eles opinassem se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes no enfrentamento à pandemia. Ele afirmou que o teor do texto ainda será divulgado à imprensa.
Na terça-feira, Fernando Bezerra já havia dito que, entre outras coisas, o documento aborda questões como os limites da atuação do governo federal no enfrentamento da pandemia, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que garantiu a autonomia de estados e municípios para adotar medidas no combate à doença. Bolsonaro já disse várias vezes, de forma incorreta, que teve seus poderes limitados pelo STF. O que a Corte fez foi permitir que os estados e municípios possam enfrentar a pandemia dentro do âmbito de seus poderes sem sofrerem restrições do governo federal.
A lista de possíveis crimes que podem ser atribuídos ao presidente é extensa. A consulta aborda tanto crimes de responsabilidade, quanto os comuns, como, por exemplo, charlatanismo, exercício ilegal da medicina, estelionato, corrupção passiva, advocacia administrativa, e exposição de outras pessoas ao risco em razão de sua participação em eventos públicos com aglomeração. A consulta também trata da responsabilidade de Bolsonaro no colapso do sistema de saúde de Manaus no começo do ano, de negligência ou inoperância na aquisição de vacinas da Pfizer, de atos de improbidade administrativa, e de crimes contra humanidade.
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