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Erros médicos: Bahia lidera ações judiciais no Nordeste

O Cremeb, no entanto, deixa claro que só pode agir em situações em que haja uma denúncia formal de um paciente lesado.

18/08/2025 09h08
Por: Karoliny Dias Fonte: Tribuna da Bahia
Foto: Freepik
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Com 4.722 novos processos por falhas assistenciais registrados apenas no primeiro semestre de 2025, a Bahia lidera o ranking de ações judiciais por erro médico no Nordeste, revelando uma realidade preocupante, porém complexa. Os dados, levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), colocam a Bahia à frente de todos os outros estados da região em número de processos e refletem um problema nacional: no mesmo período, o Brasil totalizou 45.967 novas ações contra médicos, clínicas e hospitais, seja por danos morais, materiais ou até consequências irreversíveis para a vida dos pacientes.

Conforme dados da Organização Nacional de Acreditação (ONA), atualmente no Brasil há 156.473 processos pendentes e 38.435 casos julgados. Em 2024, o país apresentou um aumento de 506% no número de processos por erro médico, totalizando 74.358 ações judiciais.

Embora o número represente, à primeira vista, um surto de negligências, imprudências ou imperícias, especialistas alertam para a complexidade do tema. Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), Otávio Marambaia, nem toda ação pode ser diretamente atribuída a um erro médico comprovado.

"Vamos por partes. Primeiro, a caracterização de 'erro médico' só se concretiza quando há prova, quando há uma relação de causa e efeito de algum dano causado por negligência, imperícia ou imprudência", afirma o médico. Para ele, uma das dificuldades no Brasil é a forma como essas ações são movidas. "Muitas dessas ações são contra pessoas jurídicas, ou seja, clínicas e hospitais onde, eventualmente, teria havido mal prestação de serviço", explica.

Marambaia também chama a atenção para o que ele considera uma "indústria de processos". Ele destaca que muitos desses processos não têm como foco o profissional, mas sim as instituições de saúde. "O que nós percebemos também é que há uma verdadeira indústria de denúncias e processos contra pessoas jurídicas da área de saúde, e em que envolvem, eventualmente, o médico, mas não apenas isso, principalmente à PJ, seja uma clínica, seja um hospital. E isso é uma estratégia dos advogados. A PJ sendo processada ocorre a inversão do ônus da prova, de modo que ela tem que mostrar que prestou todo serviço que deveria ser prestado", ressalta.

Ainda de acordo com a ONA, entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Brasil contabilizou 396.629 falhas na assistência à saúde, tanto na esfera pública quanto na privada. Os dados foram levantados com base em informações fornecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

"Precisamos espalhar a cultura de qualidade como pilar fundamental. A ONA reconhece que o sucesso na redução de erros médicos depende também de uma cultura organizacional sólida, que envolva liderança, comunicação clara, envolvimento de toda a equipe e foco contínuo na segurança do paciente", destaca a presidente da entidade, Gilvane Lolato.

Falhas incluem desde infecções a quedas de pacientes dos leitos

As falhas podem incluir desde erros na administração de medicamentos até infecções hospitalares, quedas de pacientes em leitos e falhas no diagnóstico. A ONA também aponta que uma das formas de mitigar esses erros é por meio da acreditação hospitalar, que garante que as instituições sigam padrões rigorosos de qualidade e segurança no atendimento.

De acordo com o consultor de Segurança do Paciente da ONA, Salvador Gullo Neto, a mudança no modelo de remuneração da saúde é essencial para que esses padrões se consolidem. “O modelo de remuneração predominante no Brasil, conhecido como fee-for-service (pagamento por serviço), está presente em mais de 95% das relações comerciais entre prestadores de serviço e operadoras de planos de saúde. Ou seja, os prestadores de serviço recebem de acordo com o volume de procedimentos realizados, independentemente da qualidade do atendimento”, explica. Gullo Neto defende que um modelo baseado na qualidade, e não na quantidade, é fundamental para reduzir os erros médicos.

Apesar da necessidade de mudanças estruturais, o presidente do Cremeb, Otávio Marambaia, acredita que as instituições de saúde precisam agir com responsabilidade e ética, especialmente diante de processos que visam, em sua maioria, indenizações. "Essas ações, na sua imensa maioria, são ações cíveis, ou seja, elas estão querendo indenização. Há uma verdadeira indústria de ganhar dinheiro através desses processos", afirma.

Para o médico, a busca por soluções não deve ser confundida com o objetivo de obter vantagens pecuniárias. "Eu sempre oriento as pessoas que procurem o conselho, mas fica o questionamento de porque as pessoas foram para a justiça cível, mas não foram ao conselho. Porque não querem esclarecer a verdade", aponta.

O Cremeb, no entanto, deixa claro que só pode agir em situações em que haja uma denúncia formal de um paciente lesado. "O Cremeb só parte para fazer qualquer tipo de investigação quando a denúncia é feita no próprio Cremeb. E tem que ser feita pela parte interessada, no caso, um paciente que, eventualmente, se sinta lesado", explica Marambaia.

O presidente do Conselho ainda destaca que, enquanto o processo judicial não chega ao seu desfecho, o médico segue com sua prática, já que o conceito de "erro médico" só se confirma com a sentença definitiva. "Essa expressão 'erro médico' não é mais correta no judiciário, pois ninguém pode ser acusado de erro médico, sem que haja transitado em julgado que ele tenha tido culpa".

Sistema de acreditação pode ajudar a evitar possíveis erros médicos, diz entidade

A busca por soluções também envolve a análise do sistema de acreditação, que a ONA tem defendido como uma ferramenta importante para reduzir falhas assistenciais. "A acreditação não é apenas um selo: é uma metodologia voluntária, confidencial e de melhoria contínua, que estimula instituições de saúde a adotarem padrões rigorosos de qualidade e segurança no atendimento ao paciente", explica Gilvane Lolato, gerente geral de Operações da ONA.

Segundo ela, a implementação dessa prática tem levado a reduções expressivas em erros médicos, como a diminuição de 51% na administração incorreta de medicamentos e 45% nas falhas de esterilização de equipamentos.

Apesar dos avanços da acreditação, o Brasil ainda enfrenta grandes desafios para garantir a segurança do paciente. "Atualmente, apenas cerca de 2,57% das instituições de saúde brasileiras contam com um Núcleo de Segurança do Paciente", aponta Gullo Neto. Ele acredita que o caminho para uma mudança significativa no sistema de saúde do Brasil depende de uma mudança cultural nas instituições, com foco na qualidade e segurança.

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