O Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade), responsável por proteger a livre concorrência, decidiu suspender o processo movido contra o Grupo Odebrecht pela prática de cartel na construção e reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014. A medida, no entanto, não tem origem na inocência da construtora em relação às ilegalidades sob a mira do órgão. Pelo contrário. As 198 páginas do relatório de investigação do Cade, ao qual a coluna teve acesso, trazem dezenas de provas robustas de que a empreiteira se uniu a outras empresas do setor para manipular o mercado e garantir para elas as licitações referentes às obras em sete arenas usadas durante o Mundial no Brasil. A suspensão é resultado de um acordo no qual a Odebrecht se compromete a não repetir a mesma conduta tipificada como infração à ordem econômica, além de pagamento de multa. Caso cumpra as exigências até o julgamento final, o caso será definitivamente arquivado.
Semente de conluio
O processo administrativo foi instaurado pelo Cade em 2016, diante de indícios de que construtoras investigadas pela Lava Jato montaram um esquema para ganhar a concorrência relativa às obras nos estádios Mané Garrincha (Brasília), Maracanã (Rio de Janeiro) e Mineirão (Belo Horizonte) e nas arenas Amazônia (Manaus), Castelão (Fortaleza), das Dunas (Natal) e Fonte Nova (Salvador). E-mails, arquivos e depoimentos de executivos que assinaram o chamado Termo de Compromisso de Cessão de Prática mostram claramente, de acordo com o relatório do Conselho, a formação de cartel pela Odebrecht, OAS (atual Coesa), Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão (atual Álya), Carioca Engenharia, Camargo Corrêa e Delta (atual Salgueiro). "Os contatos entre concorrentes se iniciaram preliminarmente com a definição do Brasil como sede da Copa de 2014 pela Fifa, em outubro de 2007, tendo se intensificado no segundo semestre de 2008, durando até, pelo menos, meados de 2011, quando foram assinados os contratos", destaca o relatório.
Dupla de ataque
Segundo o Cade, a coordenação do esquema ficou a cargo da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, que mantiveram diversas reuniões bilaterais entre si. As investigações encontraram ainda evidências de que ambas realizaram reuniões multilaterais com mais quatro empreiteiras: Carioca, Camargo Corrêa, OAS/Coesa e Queiroz Galvão/Álya. "Os representantes das empresas tratavam tanto de assuntos envolvendo projetos de infraestrutura relacionados à Copa do Mundo como compartilhavam informações sobre os potenciais investimentos e as capacidades das empresas de arcarem com obras de grande porte, como estádios de futebol para a Copa. Neste panorama de análise de capacidade produtiva, as empresas sinalizavam, ainda, de maneira embrionária, suas preferências por determinados projetos, com o intuito de mapear o mercado.
Efeito corrosivo
No relatório, o Cade destaca que "cartel se apresenta como a prática anticompetitiva mais grave, por corromper inteiramente a livre concorrência, bem como por criar uma simulação de competitividade, o que gera danos imensos ao mercado, exigindo tratamento rígido por parte da autoridade". "Em casos de licitações públicas, o cartel ainda resulta em prejuízos ao Erário, resultando na má aplicação de recursos públicos. No tocante à boa-fé do infrator, a própria prática de cartel pressupõe inegável má-fé, caracterizada no presente processo pelos contatos entre os concorrentes e pela apresentação de propostas de cobertura que muito provavelmente resultaram na elevação artificial dos preços dos serviços, além da imposição de requisitos restritivos que inviabilizaram a participação de concorrentes com outras soluções tecnológicas para os problemas identificados", acrescentou o conselho, ao definir as ilegalidades cometidas pela Odebrecht.
Quatro condenados e um livre
Na mesma decisão, publicada no Diário Oficial da União de terça-feira (14), o Cade condenou a OAS/Coesa, Queiroz Galvão/Álya, Delta/Salgueiro e Via Engenharia por infringirem a Lei de Defesa da Concorrência e atentarem contra a ordem econômica, com pagamento de multa de até 20% do faturamento bruto de cada empresa. Os valores não foram informados publicamente, devido às normas de sigilo do órgão. Já a Camargo Corrêa teve o processo contra ela arquivado, segundo o conselho, por inexistência de provas de participação da construtora no cartel das arenas da Copa.
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