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Brasil CLT

Datafolha revela queda na busca por emprego CLT

“Quando falamos sobre CLT, geralmente estamos tratando de uma geração cujos pais estão em condição financeira mais confortável“.

09/07/2025 08h26
Por: Karoliny Dias Fonte: Tribuna da Bahia
Foto: Romildo de Jesus/Tribuna da Bahia
Foto: Romildo de Jesus/Tribuna da Bahia

Será que a carteira assinada saiu do hype? O que antes era símbolo de estabilidade e sucesso profissional agora divide espaço com o desejo crescente de ser o próprio chefe, fazer o próprio horário e trabalhar onde quiser. Uma mudança silenciosa — mas potente — está redesenhando o mercado de trabalho no Brasil: a ascensão da Geração Z autônoma.

É o que revela a mais recente pesquisa do Datafolha, divulgada em julho: 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria. Entre os jovens de 16 a 24 anos, esse número salta para 68%. A preferência por emprego com carteira assinada caiu de 77%, em 2022, para 67% este ano. Ao mesmo tempo, aumentou o número dos que aceitam a informalidade desde que a renda seja maior: hoje são 31%, contra 21% em 2022.

Na Bahia, essa mudança de mentalidade é ainda mais visível. O economista Edval Landulfo, professor e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA), enxerga esse cenário como reflexo direto das condições socioeconômicas do Nordeste. Para ele, o trabalho por conta própria nem sempre é fruto de escolha, mas sim de necessidade.

“No Nordeste, temos uma renda menor. Cerca de 70% das pessoas economicamente ativas recebem entre um e dois salários mínimos. Quando alguém perde o emprego e não consegue uma recolocação, tenta empreender — pela dor, por necessidade. Mas, ao perceber que pode ganhar o mesmo ou até mais por conta própria, muitos não querem mais voltar à CLT” , afirma.

Segundo Landulfo, esse tipo de empreendedorismo nasce da urgência e improvisação, não de um plano estruturado. “Eu nem gosto muito do termo 'empreender' nesse caso. Essas pessoas estão se virando para não passar necessidade. Improvisam, vendem o que sabem, aproveitam uma habilidade ou um conhecimento e vão à luta”, pontua.

Com o tempo, no entanto, alguns trabalhadores conseguem transformar essa improvisação em estratégia. Há quem consiga escalar, atender mais gente, melhorar os serviços e, então, consolidar um negócio próprio.

“Algumas começam vendendo frutas no centro, capinhas de celular na Lapa ou comida caseira no bairro. E aí percebem que conseguem escalar, atender mais gente, melhorar o serviço. Quando isso acontece, começa a se configurar o empreendedorismo por oportunidade — aquele que planeja, que inova, que cresce” — explica.

Essa realidade se acentua, segundo ele, devido à baixa industrialização e à forte dependência do comércio e turismo na capital baiana. “Salvador não tem um parque industrial expressivo. Isso já limita o número de vagas com carteira assinada. Quando o turismo sofre ou o comércio retrai, o jovem precisa reagir rápido. E ele reage como pode — com criatividade, com o celular na mão, com o que sabe fazer” — observa.

Contexto familiar também influencia, diz especialista

Outro fator que influencia diretamente na escolha entre CLT e informalidade, segundo Landulfo, é o contexto familiar. “Quando falamos sobre CLT, geralmente estamos tratando de uma geração cujos pais estão em condição financeira mais confortável e podem, muitas vezes, incentivar os filhos a buscar alternativas. Já em famílias mais humildes, a CLT é vista como uma salvação. É o caminho mais seguro. O contexto da família faz toda a diferença” — analisa.

Essa análise se junta à visão do economista Daniel Duque, da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), que também observa um novo comportamento entre trabalhadores e o modelo formal. “Com o mercado aquecido, os trabalhadores percebem que poderiam ganhar mais, mas isso não é possível por conta dos encargos da CLT. O trabalho por conta própria permite ganhos mais variáveis e escaláveis”, disse Duque à Folha de S.Paulo.

Duque ressalta que o apelo da CLT ainda é forte entre pessoas com menor escolaridade e menos alternativas econômicas. Já entre os jovens, o peso da liberdade fala mais alto. “Eles buscam mais do que um salário fixo. Querem propósito, querem construir algo próprio. A CLT ainda oferece segurança, mas a liberdade pesa muito para essa geração”, afirmou.

Enquanto Duque evidencia os entraves do modelo tradicional, Landulfo amplia a lente para as desigualdades regionais e sociais que tornam a informalidade uma solução viável para muitos nordestinos. Ambos concordam que a tecnologia e as redes sociais impulsionam essa nova lógica de trabalho.

Um exemplo claro dessa transição está em Matheus Soares, 22 anos, morador de Brotas, em Salvador. Ele abandonou um emprego com carteira assinada como assistente de criação em uma agência de publicidade para se dedicar ao marketing digital como freelancer. “A única coisa que perdi foi o medo. Hoje eu organizo meus horários, trabalho de casa e não dependo de chefe. No fim das contas, ganho o suficiente e tenho liberdade”, conta.

Matheus presta serviços para pequenos criadores de conteúdo e empreendedores digitais da cidade, todos sem vínculo formal. “Vejo muita gente da minha idade trabalhando com o celular, faturando com conteúdo, vendendo pela internet, criando marca. A maioria nem cogita CLT. Parece que a regra virou exceção”, afirma.

O que antes era exceção agora vira tendência: a Geração Z está mudando as regras do jogo. Em Salvador e em todo o Brasil, jovens estão reescrevendo o que significa trabalhar: menos crachá, mais @.

Para Edval Landulfo, essa é uma transformação profunda, que reflete a busca por autonomia, impacto e crescimento. “Essa geração está enxergando o trabalho com outros olhos. O jovem quer crescer, se destacar, ser dono da própria história. E muitas vezes ele percebe que não precisa da CLT para isso” — conclui. E se depender deles, o futuro vai ser cada vez mais livre, digital — e autoral.

 
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