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TJ-BA acumula processos de crimes dolosos contra a vida sem julgamento

Justiça baiana possui alta taxa de congestionamento de processos do Tribunal do Júri.

05/10/2024 08h28 Atualizada há 1 mês
Por: Karoliny Dias Fonte: BNews

Foto: Divulgação / TJBA

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) publicou no Diário Oficial da última quarta-feira (02) um decreto judiciário que institui o 'Projeto TJBA Mais Júri', com o objetivo de aumentar a quantidade de sessões plenárias do Tribunal do Júri no último trimestre de 2024 e reduzir a quantidade alarmante de processos pendentes nas unidades judiciárias. 

Dados do relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, apontam que o TJ-BA é o quarto tribunal estadual do país com maior taxa de congestionamento de ações penais de crimes dolosos contra a vida pendentes de julgamento e que tramitam em varas do Tribunal do Júri.

                                 Fonte: CNJ                                          Fonte: CNJ

Segundo o levantamento, até o final de junho deste ano, o judiciário estadual baiano possuia 15.820 (quinze mil oitocentos e vinte) processos de crimes cometidos contra a vida do ser humano com vontade direta ou indireta de praticar o ato. 

           Fonte: CNJ               Fonte: CNJ

Das 15.820 (quinze mil oitocentos e vinte) ações criminais relacionadas a crimes dolosos contra a vida, a grande maioria é de homicídio qualificado, alcançando 12.235 (doze mil duzentos e trinta e cinco). Entre os cinco tipos penais que mais registram processos congestionados também estão o homicídio simples (3.128) e o feminicídio (470).

Fonte: CNJ Fonte: CNJ

Ainda neste raio-x completo sobre a situação do Tribunal de Justiça da Bahia no que diz respeito às varas do Tribunal do Júri, o Conselho Nacional de Justiça aponta que as cinco varas que mais registravam processos acumulados até junho eram: 2º Juízo da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Salvador, Vara do Júri de Feira de Santana, Vara do Júri de Vitória da Conquista, Vara do Júri e Execuções Penais de Barreiras e 1º Juízo da 1ª Vara do Júri de Salvador. 

Fonte: CNJ Fonte: CNJ

Quando se analisam os números dos últimos cinco anos, o relatório Justiça em Números 2024 mostra que essa alta taxa de processos pendentes de julgamento apenas nas varas do Tribunal do Júri se arrasta no tempo.

Fonte: CNJFonte: CNJ

Verifica-se, pelo gráfico acima, uma redução no número de processos sem julgamento a partir de 2021, mas esse montante não chegou a ficar abaixo de 15 (quinze) mil. 

Em todo o Brasil, eram 219.937 (duzentos e dezenove mil novecentos e trinta e sete) processos do Tribunal do Júri pendentes até 30/06, tendo sido julgadas este ano quase 40 (quarenta) mil ações no país. Considerando esse número global, o TJ-BA é responsável por 7,2% de demandas acumuladas. 

Dos 27 (vinte e sete) tribunais de justiça em todo o território brasileiro, 22 (vinte e dois)  possuem varas de competência exclusiva de Tribunal do Júri. Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Norte possuem varas especializadas neste quesito, mas que também acumulam as demais competências criminais. Em Roraima, as varas de Tribunal do Júri também julga processos de auditoria militar e, no Tocantins, elas acumulam competência com violência doméstica e familiar contra a mulher. 

A taxa nacional de congestionamento nas varas exclusivas é de 70,5% e, nas varas cumulativas, que também julgam outros processos crminais, é de 84,2%. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, esses percentuais indicam que os tribunais que adotaram o modelo de varas exclusivas de Tribunal do Júri contribuíram para melhoria na taxa de congestionamento.

O advogado crminalista, professor de Direito Penal da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Direito Público (UFBA) e Diretor Executivo do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADP), Jonata Wiliam, em conversa com o Site, atribui essa demora de julgamento a diversos fatores e que não estão somente ligados à atuação do judiciário baiano. 

"Os processos de competência do júri têm duas partes: a instrução processual (fase de apresentação da primeira defesa e produção de provas, até a decisão que envia acusado a júri ou não), e caso ele seja submetido ao plenário do júri, temos a segunda fase, onde novamente poderão ser reproduzidas as provas, e depois os debates orais entre a acusação e defesa, até o veredito do júri e a sentença. O procedimento, portanto, é complexo, e muitas vezes é composto de várias pessoas acusadas, e/ou várias testemunhas. Por muitas vezes a dificuldade de encontrar as testemunhas, também de encontrar os próprios acusados ou mesmo a/as vítimas, aliada à alta demanda dos processos de competência do júri, visto que a Bahia é um dos estados com maior índice de letalidade violenta urbana no Brasil, são fatores que levam a esse congestionamento. Ainda ressalto a insuficiente quantidade de varas especializadas para o julgamento de processos de competência do júri, tanto na capital, quanto no interior, sendo que em algumas comarcas, as varas inclusive têm competência plena (devendo um só juiz atuar no júri e nas demais áreas de jurisdição), e a baixa quantidade de defensores públicos de atuação específica no júri. Tudo contribui para esse atual cenário", argumentou o professor.

Sobre o quanto a taxa de processos pendentes aumenta a sensação de descrença da sociedade na justiça, Jonata Wiliam afirma que esse é um "problema sistêmico". 

"A descrença da sociedade no Poder Judiciário, na eficácia das leis, e no próprio instituto do Tribunal do Juri são consequências dessa alta taxa de congestionamento. É um problema sistêmico, que perpassa por todos os órgãos e instituições do sistema de justiça, sendo, portanto, um grande absurdo os ataques e tentativas de esvaziamento do instituto do Tribunal do Juri, que é a expressão máxima de democracia no sistema de justiça, afinal, é um julgamento feito pelo povo e para o povo. Portanto, essa alta taxa de congestionamento dos processos do júri de fato geram essa sensação de descrença no Poder Judiciário e na eficácia do sistema de justiça, mas não é acabando com o júri que esses problemas irão se resolver. A solução, a meu ver, vai justamente no caminho contrário: o fortalecimento das realizações do júri e instrumentalização do sistema de justiça, com recursos humanos, tecnológicos e investimentos públicos para aumentar a capacidade de julgamentos de competência do tribunal do júri", apontou.

Com relação ao que o TJ-BA pode fazer para a redução de processos de crimes dolosos contra a vida congestionados, o professor de Direito Penal destacou que as soluções não são simples.

"Não existe solução simples para problemas complexos, mas elenco aqui algumas medidas, tais quais: o aumento de varas especializadas de competência do Tribunal do Juri na Capital e no interior (levando em consideração o volume de processos de competência do júri nas comarcas); aumento das semanas específicas para julgamentos exclusivos de processos do júri; contratação de servidores/as, assessores/as e estagiários/as para atuação nessas varas; o investimento da Defensoria Pública em alocação de mais Defensores e Defensoras para os processos dessa competência. Enfim: o investimento em recursos humanos pelos órgãos do sistema de justiça que atuam no júri, aliados a investimento em tecnologia nas varas de competência do júri podem surtir um efeito positivo. Nada disso será possível, no entanto, sem que haja um interesse real no fortalecimento do instituto do Tribunal do Juri, que fomentará a adoção das medidas necessárias ao enfrentamento dessas altas taxas de congestionamento. Todas essas propostas são indicativos de que é possível lutar contra esse problema de forma efetiva, salientou".

Atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Em 2017, o CNJ, por meio da Portaria nº 69/2017, instituiu o Mês Nacional do Júri, escolhendo novembro como período de concentração de esforços de todos os Tribunais de Justiça do Brasil para a priorização de julgamentos de casos de crimes dolosos contra a vida. 

Na última quarta-feira (02), o TJ-BA instituiu o 'Projeto TJBA Mais Júri', visando o incremento de sessões do Tribunal do Júri para possibilitar a análise do  acervo e identificar os processos pendentes de marcação da sessão plenária do júri, também antecipar os júris designados para 2025, incluindo-os nas pautas dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2024 e ainda diligenciar os processos que se encontram na fase prevista no art. 422 do Código de Processo Penal (apresentação de testemunhas para depoimento), para assegurar o agendamento das sessões plenárias do júri a serem realizadas no período estabelecido.

Procurado pelo Site para justificar a alta taxa de congestionamento e as medidas adotadas para a baixa de processos, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) não retornou ao contato feito até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação. 

 

 

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