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Governo tem motivos para não tirar da gaveta regulação de big techs

Palácio do Planalto não tem intenção de enviar ao Congresso o PL dos Serviços Digitais, sucessor do PL das Fake News, uma vez que outras frentes têm garantido a regulação das plataformas.

10/11/2025 07h56
Por: Karoliny Dias Fonte: Agência Estado
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Publicado após 132 dias pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o acórdão sobre o Marco Civil é considerado pelo governo Lula como parte do leque de opções para regulamentar o setor. As regras impostas pela Corte devem deflagrar ações das próprias empresas para se adequar à lei e ainda deixar na gaveta a proposta da gestão petista para regular as big techs.

O STF decidiu em junho que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional. Na prática, a Corte aumentou a responsabilidade civil das plataformas digitais sobre o que é veiculado nas redes sociais, a depender da situação.

Existe no Palácio do Planalto a avaliação de que o projeto de lei (PL) dos Serviços Digitais (elaborado pelo Ministério da Justiça) — a principal aposta do Executivo para regular as atividades das big techs, uma espécie de sucessor do antigo PL das Fake News — pode acabar não sendo enviado ao Congresso, por quatro principais motivos. O primeiro deles é que o acórdão do STF, na visão do governo, preenche algumas lacunas da legislação que o PL dos Serviços Digitais visava fechar.

Isso porque as plataformas a partir de agora ficam obrigadas a remover proativamente conteúdo relativo a condutas e atos antidemocráticos; terrorismo; induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio ou automutilação; discriminação; crimes praticados contra a mulher em razão do sexo feminino; crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes; e tráfico de pessoas. Esse tipo de conteúdo não pode circular livremente pelas redes sociais.

Outros tipos de conteúdo ilícito ou produzido por contas inautênticas podem ser removidos mediante notificação extrajudicial (mantendo a vigência do artigo 21 do Marco Civil). Apenas crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) ficam mantidos sobre a antiga regra do artigo 19, segundo a qual as plataformas só devem retirar publicações do ar quando houver uma ordem judicial.

“Houve uma avaliação do cenário político, e o presidente Lula decidiu não enviar (o PL dos Serviços Digitais) por ora. É importante a gente centrar nossas forças o que está no Congresso nesse momento”, afirma Ricardo Lins Horta, secretário nacional substituto de Políticas Digitais do governo Lula.

Horta menciona a implementação do ECA Digital e a estruturação da da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que deve assumir novas competências a partir do projeto que regulamenta a inteligência artificial, como focos da pasta de agora em diante.

O segundo motivo se chama governo Trump. A imprevisibilidade do presidente americano e a intransigência com que tem lidado com o tema de maior controle sobre as plataformas digitais, somadas ao fato de o Planalto ter se aproximado da Casa Branca e tentar hoje derrubar as tarifas sobre os produtos brasileiros, são fatores inibidores.

A equipe econômica do governo Lula chegou a cogitar levar à mesa de negociação os dois projetos de lei que o governo concluiu com o objetivo de regular a atividade das plataformas. A ideia, no entanto, perdeu força quando o Departamento de Estado americano publicou um tuíte partindo para cima da regulação europeia das plataformas digitais.

“Na Europa, milhares de pessoas estão sendo condenadas pelo crime de criticar os seus governantes”, publicou o governo dos Estados Unidos no X (ex-Twitter), referindo-se à lei que regulou as redes sociais no continente, o DSA (Digital Services Act, ou Lei de Serviços Digitais). Trata-se de uma das inspirações para o PL dos Serviços Digitais do Ministério da Justiça.

Adotada pela direita radical no Brasil e no exterior, a narrativa de “censura” sobre qualquer regulação das big techs preocupa o Planalto, que não que ver a pecha sobre seu projeto, mesmo este não tratando de desinformação — como mostrou o Estadão, a proposta do governo prevê controle parental e ignora notícias falsas.

Em terceiro lugar vem o “timing” da própria agenda do Congresso, que não tem dado abertura para iniciativas do tipo. A exceção foi a aprovação do ECA Digital, sancionado por Lula em setembro, após a comoção nacional criada pelo vídeo do comunicador Felca sobre sexualização de crianças.

Enviar o PL dos Serviços Digitais agora, na avaliação de uma pessoa envolvida nesse debate dentro do governo, seria criar uma instância permeável à pressão das big techs sobre o texto no Legislativo — ambiente que elas não tiveram durante o julgamento no STF, considerado menos suscetível especificamente a este lobby.

Além disso, tramitam no Legislativo outras iniciativas que, na visão de governistas, dão conta do recado por enquanto. É o caso do projeto que regulamenta o uso de inteligência artificial, o projeto dos Mercados Digitais (elaborado pelo Ministério da Fazenda) e o próprio ECA Digital.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pautou nesta semana a votação do requerimento de urgência para o PL dos Mercados Digitais. A Fazenda propõe ajustes no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para que sejam inseridos novos instrumentos pró-competitividade direcionados a plataformas consideradas “sistemicamente relevantes”, possibilitando a criação de novos mecanismos para impedir o abuso de poder econômico por grandes plataformas digitais.

Por fim, a aprovação de uma medida desse porte a menos de um ano das eleições. Não é do interesse do governo levar essa discussão para a porta da campanha eleitoral.

Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, tem tratado a agenda digital do governo Lula como uma questão de “soberania e pró-eficiência econômica”, ecoando o lema que se tornou presente nos discursos do presidente.

“(O PL dos Mercados Digitais) É fundamental para as empresas, consumidores e trabalhadores de aplicativos. Precisamos atualizar as ferramentas do aparato institucional brasileiro para garantir a concorrência. A teoria econômica nos ensina que um ecossistema mais competitivo nos traz redução de custo, acesso ao mercado e respeito à escolha de quem usa a internet no Brasil”, afirmou após o envio do texto.

Um executivo do Google relatou ao Estadão em outubro, sob reserva, que nada estava sendo feito pela empresa para se adequar à decisão do STF, uma vez que era preciso esperar a publicação do acórdão para conhecer o detalhamento feito pelo tribunal.

Em 2024, o Google removeu 201,2 milhões de anúncios e suspendeu 1,3 milhão de contas no Brasil por violações de suas políticas internas, de acordo com relatório da empresa. O número pode aumentar a partir de agora, uma vez que o STF decidiu que há uma presunção de responsabilidade das plataformas em determinado tipo de conteúdo, como publicação impulsionada e anúncio pago, já que esse conteúdo passa pelo crivo das próprias empresas.

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