Foto: Arquivo pessoal
A cidade de Canudos, no norte da Bahia, protagoniza um capítulo inédito na busca pela chamada “justiça histórica”. Por meio do prefeito Jilson Cardoso de Macedo (PSD) e do advogado Paulo José de Menezes, o município ingressou com uma ação civil pública contra a União, exigindo reparação pelos danos causados durante a Guerra de Canudos, no ano de 1897. Segundo o processo movido pelo município, na verdade, os eventos deveriam ser conhecidos como massacre.
A ação judicial, a qual o site teve acesso, descreve o evento como um genocídio planejado, citando relatos históricos que detalham execuções em massa de civis, incluindo mulheres, crianças e idosos. Trechos de depoimentos como os do médico Martins Horcades, que testemunhou prisioneiros sendo degolados "para economizar munição", e do jurista Rui Barbosa, que denunciou o episódio como "o mais negro borrão da nossa história", sustentam a tese de crime contra a humanidade.
O conflito resultou na destruição completa da comunidade de Belo Monte (hoje Canudos) e no massacre indiscriminado de uma população majoritariamente camponesa pobre, liderada por Antônio Conselheiro.
O documento traz como argumento a necessidade de defesa dos direitos humanos. Segundo os autos, o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto de San José, que estabelecem a obrigação de proteger esses direitos e reparar vítimas. Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana é citado como fundamento da República Federativa do Brasil, justificando a reparação dos danos que ainda violam profundamente a dignidade dos habitantes de Canudos.
De acordo com os autos, a República do Brasil lançou quatro expedições militares sem investigação adequada ou direito de defesa. Euclides da Cunha é citado, observando que "Canudos não se rendeu". "Exemplo único em toda a História, resistiu até ao esgotamento completo". Além disso, ressalta que as expedições para a cidade foram marcadas por "extrema brutalidade e falta de planejamento", culminando na destruição total e na morte de milhares de pessoas.
O documento transcreve passagens de Rui Barbosa, que denunciou o massacre no Senado em 1905, criticando a violação de direitos constitucionais e a barbárie das trucidações. Também cita César Zama, médico baiano, que dois anos após a guerra publicou o "Libelo Republicano", acusando Prudente de Moraes e Manoel Vitorino de ferir a Constituição de 1891 e denunciando os degolamentos de mulheres, crianças, velhos, feridos e prisioneiros. Zama relata que o General Arthur Oscar prometeu a vida dos rendidos, mas "Beatinho e todos os infelizes, que o acompanharam, sem exceção de um só, foram friamente degolados!", diz a ação.
O processo, que tramita na 1ª Vara Federal de Feira de Santana, pede R$ 300 milhões em indenizações e políticas públicas para compensar os impactos materiais, morais e culturais do episódio, que deixou milhares de mortos.
Em entrevista ao Bahia Notícias, o prefeito de Canudos, Jilson Cardoso (PSD), afirmou que a reparação solicitada vai além da compensação financeira. O município exige um programa de desenvolvimento regional que inclui desde a construção de hospitais e universidades até a revitalização da memória local, com museus, memoriais e a reconstrução simbólica da antiga Canudos.
O prefeito destacou a importância simbólica da ação: "Há 128 anos, Canudos foi apagada do mapa. Essa ação é sobre resgatar nossa dignidade". Ele explicou que a iniciativa surgiu de audiências públicas com a população local, incluindo camponeses e descendentes dos sobreviventes, que, segundo ele, ainda carregam traumas transgeracionais.
Foto: Arquivo pessoal
Entre os pedidos específicos estão a ampliação do sistema de irrigação do Vaza Barris, cotas universitárias para descendentes das vítimas, e até um salário mínimo mensal para estudantes canudenses no ensino superior. "Queremos que o presidente Lula, sensível à causa nordestina, participe pessoalmente da audiência de conciliação", afirmou o advogado Paulo Menezes, responsável pela ação, em entrevista ao BN.
Historiadores consultados no processo afirmam que as narrativas oficiais distorceram os fatos, retratando os conselheiristas como fanáticos, quando eram majoritariamente camponeses pobres vítimas de uma resposta desproporcional do Estado.
Próximos passos
O processo aguarda a designação de uma audiência de conciliação, onde a União poderá apresentar uma proposta de acordo. Caso não haja consenso, a ação seguirá com a oitiva de especialistas e testemunhas.
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