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Professora impedida de assumir vaga por cota em concurso de universidade na Bahia toma posse após determinação da Justiça

Lorena Pinheiro é otorrinolaringologista e foi empossada na Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), na tarde desta quarta-feira (6), em Salvador. Ela é a primeira docente negra cotista da instituição.

07/11/2024 09h09
Por: Karoliny Dias Fonte: G1 Bahia
Otorrinolaringologista Lorena Pinheiro tomou posse como professora da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) — Foto: Alan Oliveira/g1
Otorrinolaringologista Lorena Pinheiro tomou posse como professora da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) — Foto: Alan Oliveira/g1

A otorrinolaringologista Lorena Pinheiro foi empossada como professora da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), na tarde desta quarta-feira (6), após determinação da Justiça. A nomeação da médica foi publicada no dia 29 de outubro, no Diário Oficial da União.

A medida foi tomada depois que a juíza Arali Maciel Duarte, a mesma que impediu a posse anteriormente, concedeu liminar determinando que a Universidade Federal da Bahia (Ufba) nomeasse e desse posse à médica.

Em documento assinado pelo reitor da Ufba, Paulo Cesar Miguez de Oliveira, Lorena Pinheiro foi nomeada para o cargo de professor adjunto A, Classe A, Nível 1, em regime de trabalho de 20 horas semanais, com lotação no Departamento de Cirurgia Experimental e Especialidades Cirúrgicas da FMB.

A ordem judicial era para que Lorena assumisse uma das vagas "comprovadamente desocupadas". Em sua decisão, a juíza previa que a instituição tinha cinco dias para cumprir a sentença. A Ufba, porém, não tinha empossado a médica até esta quarta.

"A gente está reconstruindo uma história que, de Juliano Moreira pra cá, é como se fosse uma pausa, que termina agora, com a entrada de uma pessoa que é a cor dessa cidade. Assim como o professor Juliano Moreira, você faz parte dessa história, Lorena", disse o diretor da FMB, durante discurso da posse, médico negro baiano que é um dos maiores nomes da psiquiatria brasileira.

Lorena Pinheiro é a primeira professora negra cotista da Faculdade de Medicina da Bahia, após 216 anos de fundação.

"Eu fico muito satisfeito, muito alegre, com esse momento histórico. Eu tive o prazer de assinar a sua entrada na Faculdade de Medicina, Lorena. Muito obrigado", continuou Antônio Alberto.

Médica comemorou conquista

Ao site, Lorena Pinheiro definiu o momento como a "realização de um sonho". Ela disse que sempre desejou ser professora em uma universidade federal, além de prestar serviço no Sistema Único de Saúde (SUS), formar novos médicos com a mesma origem social, étnica e racial que ela.

"Sem dúvida, esse é um marco muito importante na história dessa faculdade passarmos e termos esse ato simbólico a favor das cotas e a favor da presença do docente negro no quadro da universidade federal", disse a professora.

Em entrevista, Lorena dedicou a posse à mãe e citou a avó, mulheres, que, segundo ela, a impulsionaram e trouxeram ela até este lugar.

"A minha mãe, em especial, que falou que eu era capaz, e deveria, sim, fazer o curso de medicina, passar na universidade pública e fazer o mestrado e doutorado para seguir o meu sonho de ser professora na universidade federal. Essa vitória eu dedico a minha mãe, Maria Ivonete Pinheiro Figueiredo. Ela já se foi, não está aqui, mas, certamente, está vibrando do céu, de onde ela estiver".

No discurso de posse, a professora relatou como descobriu que outra candidata havia sido convocada para tomar posse, quando entrou no site da organizadora do concurso público. "Eu perdi o chão e fiquei sem reação. Foi um misto de sentimentos de indignação e de uma profunda sensação de abandono e de injustiça".

"A primeira liminar não derrubou somente a minha nomeação. Ela também impediu que a população negra ocupasse essa faculdade, que a reparação histórica de fato começasse a acontecer. Em tantos e tantos anos de discriminação e portas fechadas aos negros".

Entenda o caso

Em setembro, a Ufba confirmou que foi judicialmente impedida de nomear a otorrinolaringologista Lorena Pinheiro Figueiredo como professora adjunta da instituição.

- Aprovada pela Lei de Cotas, Lorena chegou a ser homologada como primeira colocada do concurso para docentes, mas uma decisão liminar obrigou a instituição a nomear outra candidata para a vaga.

- O caso ganhou repercussão ainda em agosto, quando a médica usou as redes sociais para compartilhar a história.

- Com a repercussão, a Ufba se pronunciou no dia 1º de setembro, ressaltando a determinação judicial para que "convoque a impetrante [da ação]" e se abstenha de "convocar e nomear candidatos cotistas para a vaga disputada".

- Diante disso, a universidade afirmou que pretendia recorrer contra a decisão. Ao site, o professor Rodrigo Rossoni, marido de Lorena, ressaltou que já havia entrado com recurso.

O que estava em disputa

- O concurso teve início em dezembro de 2023 (Edital n. 01/2023), com a oferta de 30 vagas para 28 áreas do conhecimento.

- Apenas uma vaga foi disponibilizada para o departamento de Cirurgia Experimental e Especialidades Cirúrgicas, que tem a Otorrinolaringologia como área de conhecimento — especialidade de Lorena e da outra candidata.

- Com a greve da instituição, a última etapa — a banca de heteroidentificação — foi realizada em julho deste ano.

- O resultado homologado e publicado no Diário Oficial da União indicou Lorena Pinheiro Figueiredo como vencedora do concurso.

Ela foi a quarta colocada na classificação geral e primeira na classificação para negros.

O resultado já indicava que a vaga deveria ser "preferencialmente ocupada por candidato autodeclarado negro", conforme previsto no edital e com base na Lei de Cotas.

- Enquanto a universidade conduzia os trâmites para a conclusão do processo, a outra candidata ingressou com um mandado de segurança contra a nomeação de Lorena.

- Em 21 de agosto, a juíza Arali Maciel Duarte, da 1º Vara, deferiu uma liminar obrigando a Ufba a convocar a reclamante.

Aplicação da Lei de Cotas

Ao se manifestar no dia 1º de setembro, a Ufba explicou que passou a cumprir a Lei de Cotas considerando a totalidade de vagas, e não qualquer fracionamento por especialidades ou áreas a partir de 2018. Antes disso, a regra era aplicada somente nas áreas com o mínimo de três vagas disponíveis.

"No caso dos concursos para professor do magistério superior das universidades federais, como as vagas por cada área do conhecimento são, em geral, inferiores a três, a aplicação da lei não era possível, inviabilizando, na prática, a política afirmativa de inclusão, objetivo da Lei de Cotas", explicou a instituição.

Com isso, a universidade tomou como referência a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 41/DF). Na ocasião, o magistrado entendeu que os órgãos de Estado não devem utilizar a divisão de vagas por especialidade como justificativa para a não aplicação da reserva. Pelo contrário, ele defendeu que os setores públicos deveriam buscar formas mais benéficas para atingir a finalidade da legislação.

Em meio a essa discussão, o site ouviu o advogado Jonata William, presidente da Comissão da Advocacia Negra da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia (OAB-BA), que reforçou a constitucionalidade da posição adotada pela instituição de ensino.

"A Ufba e outras instituições determinaram que a forma mais prática de você fazer a aplicação da reserva das vagas era pegar o número global de um edital, fazer a lista separada com a reserva de vagas, nomear os cotistas e depois preencher o restante com a ampla concorrência", pontuou, esclarecendo que esse entendimento é replicado por outros órgãos.

Para Jonata, a decisão contra a nomeação de Lorena era um retrocesso. Ele afirma que estudos científicos já demonstraram que a setorização nos editais foi usada como instrumento para fraudar a lei.

"Tem uma tese de doutorado de uma pesquisadora chamada Vanessa da Palma, no Mato Grosso do Sul, que fez um estudo sobre os concursos da docência para pessoas negras. Ela apontou essa estratégia, que quando se faz o fracionamento das vagas, haveria, na realidade, um esvaziamento das políticas afirmativas".

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