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Brasil Planejamento urbano

Professor de Geografia fala sobre o papel do planejamento urbano diante das fortes chuvas que caem no Brasil

Henrique Andrade explica quem falhou nas últimas tragédias envolvendo fortes chuvas no Brasil.

05/06/2022 08h00 Atualizada há 4 anos
Por: Karoliny Dias Fonte: Boca de Forno News

Chuvas fortes em Pernambuco causam alagamentos e mortes - Foto: Reprodução do Jornal Nacional

Deslizamentos e enchentes têm sido recorrentes no Brasil causando mortes e estragos. Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e agora Pernambuco. Dados que constam do último balanço do Governo de Pernambuco, divulgado às 20h do dia 01/06, diz que são 121 mortos e 7.312 pessoas desabrigadas no estado. Em seis meses, correntezas de lama aterraram diversos sonhos e destruíram histórias. Esses rastros de destruição ocasionados pelas chuvas pressionam por uma solução que deve vim do planejamento urbano.

Falando sobre esse assunto, o professor Henrique Andrade, que é doutorando em Geografia., que explicou o porquê de os problemas com as enchentes perdurar anos. Ele diz ainda se é possível e como oferecer uma solução a curto prazo. Segundo Henrique, a dimensão dos problemas urbanos afeta diretamente todas as pessoas que moram nas cidades e não apenas nela, como também as pessoas que residem no campo.

O professor diz que não é de agora que esses problemas relacionados a tem eventos extremos que são situações que fogem da normalidade. Como exemplo, ele cita o que aconteceu muito recentemente na Bahia e está acontecendo nesse momento os últimos dias em Pernambuco, que é quando você tem o aumento da quantidade de chuvas. “A questão é que todo o debate é feito culpabilizando a chuva. E aí você vai ter diretamente a culpabilização clima, o que ao nosso ver é um equívoco porque estamos tratando de um aglomerado urbano e um aglomerado humano, como é chamado a cidade”.

O geógrafo e professor Henrique Andrade - Foto: Arquivo Pessoal

Conforme o professor, historicamente, nossas cidades foram construídas diretamente em cima de rios, de lagoas, de córregos e de riachos. “Não precisa ir tão longe eu falar disso. É só pensar em nossa cidade, Feira de Santana, que é uma cidade das águas. São dezenas de lagoas, três rios que passam ou dentro da cidade ou nas suas imediações. Se formos pensar na dimensão de Feira de Santana, vamos ver exatamente o mesmo problema que acontece em toda a Bahia. A cidade se desenvolve destruindo a natureza”, explica.

Henrique destaca que é necessário analisar que todo o processo de planejamento urbano é feito com a natureza separada da dimensão humana. “Não é concebível a pessoa pensar a criação de um bairro onde você vai aterrar uma, duas ou três lagoas. É inconcebível pensar que, para crescer, ela destrói, aterra ou canaliza o rio”.

A curtíssimo prazo, diz o professor, é preciso pensar diretamente ações que culpabilizem e que pressionem o poder público a evitar diretamente essas ações. “Estamos falando de muitas coisas que já são cobertas pela lei. Já existe um conjunto de legislações que impedem que se faça isso. O detalhe é que boa parte das realizações são burladas quando se pensa no chamado interesse público de crescimento das cidades, do interesse público da criação de novos bairros”.

Aqui em Feira de Santana, Henrique disse que é comum que, com qualquer chuva, se tenha o alagamento de ruas, avenidas e o entupimento de bueiros. “Tudo isso faz parte de um planejamento urbano que despreza a dimensão ambiental”.

Esses problemas refletem as questões sociais, que é o problema do país de desigualdade social. Aqueles que sofrem realmente com tais problemas são as pessoas mais pobres. “Esse é um problema estrutural brasileiro, não é um problema só de Feira de Santana, não é só da Bahia. É um problema brasileiro que as pessoas são empurradas para viver nas chamadas periferias. E exatamente nesses lugares onde tem pessoas mais pobres, você vai ter um contraditório que é a ausência do Estado fazendo saneamento básico, fazendo drenagem de águas pluviais, que é você fazer escoamento para a água das chuvas”.

 O Estado, seja ele o Município, o Estado ou a União, precisa agir diretamente com ações de engenharia como a estabilização de encostas, que é fazer com que elas não escorreguem com um elevado índice de chuvas. “São as periferias os lugares mais impactados quando tem uma chuva forte, quando tem uma chuva que foge ao padrão da média. Fugimos da lógica do tempo e vamos pensar só naquele momento específico e fazer o atendimento emergencial, mas com a próxima chuva no ano seguinte vai acontecer as mesmas coisas”.

Quando se fala de planejamento urbano, se pensa logo assim projeto ou algo do tipo. O que falta no Brasil é execução, opina Henrique. Isso porque não falta legislação para isso no país. O Estatuto das Cidades, a Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). “Você tem diversas legislações que já falam e dialogam com esse problema que é real. É um problema de política urbana. O que falta é vontade política porque capacidade técnica o Estado tem. Os pequenos municípios têm dificuldade”.

Porém toda dimensão é colocada quando existe o abandono. “Você tem o abandono, o esquecimento social, o esquecimento midiático. E esses temas aparecem exatamente com o aumento de crise. E eles precisam aparecer o tempo inteiro na televisão ou em toda a mídia que possa existir”.

O professor diz ainda que falta fazer um pacto para se resolver esses problemas porque a maioria da população mora nesses lugares. Em Feira de Santana, lembra o professor, se tem dezenas de lagoas destruídas e quando se fala de problema é colocado a culpa naquele morador que mora vizinho a uma lagoa e que aterrou o seu quintal para fazer um puxadinho, uma casa para seu filho, seu parente.

“Só que não se discute a moradia popular, não se discute a estrutura urbana desses locais, não se discute saneamento ambiental, que é o trabalho todo com resíduo, com água, com esgoto, não se discute ainda o problema de transporte e serviços públicos. É necessário ter um pacto nacional que envolva município, estado e, principalmente, a população, a classe trabalhadora, que é quem vive esses problemas diariamente. Legislação não falta. Falta o seu cumprimento, o seu respeito pelas autoridades que aí vivem”.

Outro problema nacional é o lixo, ressalta Henrique. Existe a Lei de Resíduos Sólidos, porém falta lixões. Para ter um lixão precisa ter investimento público. “Não podemos tirar a necessidade de que o Estado atue nesses processos”. Tem-se ainda o processo de desmatamento amplo das nascentes, desmatamento de margens de rios, que são as matas ciliares. Isso tanto na cidade quanto no campo. “O avanço do agronegócio desmatando brutalmente toda e qualquer mata que existe para plantar itens para exportação tem resultados negativos. Desse jeito a população fica refém de um descaso de um lado e, junto com ele, a falta de compromisso”.

A população precisa ainda cobrar dos seus governantes e esse é um ano importante porque é um ano de eleição nacional que envolve desde os estados até a União. “Quantas ruas em Feira de Santana não têm nem saneamento básico, nem calçamento. É necessário a atuação do poder público para resolver essas questões. Existem cidades pelo mundo afora que resolveram esses problemas. O Brasil ainda está atrasado nessa dimensão que é o respeito a questão ambiental, o respeito à natureza e, principalmente, o respeito às pessoas que moram nesses locais”.

O planejamento urbano falhou porque o poder público errou, destaca o professor. Desde que o poder público olhou para as grandes avenidas aterrando rio, não fazendo esgotamento sanitário e não fazendo drenagem nas áreas periféricas. “O poder público errou quando pensou só no grande e não pensou naquela pessoa, naquele conjunto de famílias mais pobres que passam por problemas diários de coleta lixo, de saneamento básico, de acesso a água. Precisamos pensar no planejamento urbano, na ação do estado que foque nas pessoas mais carentes, que não tem condição de fazer uma drenagem na sua rua, no seu condomínio”.

Do seu ponto de vista enquanto geógrafo, enquanto professor, é pensar e planejamento urbano, esse avanço das cidades sobre a natureza. As cidades crescem porque é um processo amplo, socioespacial. Só que é necessário pensar também nas pessoas que vivem esses problemas para adequar essa dimensão das cidades, a essas pessoas mais pobres. “Não deixem passar essa discussão de saneamento básico, de esgotamento sanitário como um todo, de acesso a água, de coleta. Esses problemas centrais envolvem a questão da sua casa e da sua rua. Aqui em Feira de Santana existem problemas que que acontecem diariamente e é um descaso completo”.

Ele conclui sua fala pedindo que a população fique atenta e atue diretamente, politicamente nesses problemas por meio de suas associações, sindicatos e que pressionem o poder público a executar ações que viabilizem a melhoria da qualidade de vida. “É direito de todo mundo ter qualidade de vida. Não é somente daquela pessoa que pode morar num condomínio, numa casa, numa rua que seja melhor localizada. É direito de todas as pessoas terem um ambiente justo e equilibrado em sua vida”, finalizou.

Com informações da repórter Engledy Braga

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