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Bahia Cachoeira

Lutas pela Independência em Cachoeira inspiram a juventude baiana

Cidade do Recôncavo teve a primeira batalha contra a dominação de Portugal.

21/06/2025 08h00
Por: Karoliny Dias Fonte: A Tarde

Fanfarras Lira Ceciliana e Minerva Cachoeirana desfilam em Cachoeira nos anos 1970Fanfarras Lira Ceciliana e Minerva Cachoeirana desfilam em Cachoeira nos anos 1970 - 

Nas escolas de Cachoeira, adolescentes disputam para saber qual delas sairá vestida de Maria Quitéria ou de Maria Felipa de Oliveira, duas das heroínas nas lutas pela Independência do Brasil na Bahia, nas comemorações do 25 de Junho. A data é emblemática para a cidade e para o processo de libertação dos portugueses, pois foi no Recôncavo que a resistência baiana se organizou a partir de junho de 1822, antes mesmo do Grito do Ipiranga, em 7 de Setembro daquele ano. Nas comemorações de 2025, além dos 203 anos da Independência, a cidade também celebra os 18 anos em que anualmente, ao menos por um dia, torna-se a capital do Estado.

A simbologia das duas personagens - e uma delas, Maria Felipa, era uma marisqueira negra -, para as turmas de estudantes que desfilam ao som das fanfarras em Cachoeira, prova a força que a participação popular teve na consolidação da Independência, defende o professor Fábio Batista Pereira, historiador, músico e poeta cachoeirano. Para ele, além de lembrar das heroínas guerreiras, celebrar o 25 de Junho é importante como ato cívico para os jovens que aproveitam a data para reverenciar o caboclo e a cabocla e entender as lutas indígenas da atualidade.

“É importante porque marca a presença popular na luta. É bom ver nas escolas as meninas disputando quem é que vai sair de Maria Quitéria naquele ano, quem vai sair de Maria Felipa, porque são referências, especialmente para as mulheres, que atualizam as lutas, porque a Independência tem data, tem as suas efemérides, o 2 de Julho na Bahia, o 7 de Setembro para o Brasil, mas essa luta por direitos, por uma cidadania que é plena, continua atualizada e presente”, opina.

Comemoração da Independência em Cachoeira em 1997Comemoração da Independência em Cachoeira em 1997 | Foto: Antônio Queirós/ 25-06-1997 / Cedoc A TARDE

Para o professor Fábio, trazer a memória do passado heroico através dos ritos cívicos é também buscar inspiração para o presente. “O 25 de Junho continua muito atual, porque tem a ousadia de um povo que enfrentou, inclusive de maneira desproporcional, um exército profissional. As tropas brasileiras eram voluntárias, pessoas que abraçaram aquela causa e lutaram por ela. Isso é o que faz o 25 de Junho tão instigante, tão inspirador. É a garra, a força, a coragem, a ousadia daqueles que lutaram no passado para que nós possamos continuar inspirados no presente a construir uma cidadania capaz de ser vivida por toda a população brasileira”, defende.

Heroica cidade

O Fogo Simbólico do 2 de Julho sempre sai de Cachoeira a cada ano e percorre locais como Saubara, Santo Amaro da Purificação, São Francisco do Conde, Candeias e Simões Filho, até chegar a Salvador, onde acontece o cortejo popular que comemora a expulsão dos portugueses liderados pelo general Madeira de Melo. A primazia de fazer a tocha cívica circular ocorre porque foi em Cachoeira que aconteceu a primeira batalha da Independência, no rio Paraguaçu. Nas páginas de A TARDE, ao menos desde 1915, a importância da cidade é lembrada nas coberturas das celebrações e em artigos que refletem sobre os atos ocorridos entre 25 e 28 de junho de 1822.

A edição de 20 de dezembro de 1915, por exemplo, compara a resistência dos cachoeiranos nos três dias de luta às margens do rio Paraguaçu, com a Batalha no Desfiladeiro das Termópilas, um dos episódios das Guerras Médicas entre gregos e persas. O episódio dos guerreiros, em minoria, comandados por Leónidas, rei e general de Esparta, enfrentando o enorme exército persa do rei Xerxes, virou tema do famoso HQ de Frank Miller e do filme homônimo, 300, lançado em 2007, no mesmo ano em que a Lei Estadual 10.695 transformou Cachoeira em capital simbólica da Bahia, por 24 horas, a cada 25 de Junho.

Vista Aérea de Cachoeira e do rio Paraguaçu, onde ocorreu batalha naval da IndependênciaVista Aérea de Cachoeira e do rio Paraguaçu, onde ocorreu batalha naval da Independência | Foto: Cedoc A TARDE/ 28-02-1980

Nos 150 anos da Independência, em 1972, a edição de A TARDE de 26 de junho descreve como no dia anterior a cidade “amanheceu com as casas enfeitadas com bandeiras da Bahia e do Brasil, recém pintadas e decoradas com ramos de palmeiras”. As plantas também embelezaram as ruas da cidade até às margens do Paraguaçu. O Te Deum, a missa festiva, daquele ano, foi celebrado pelo então arcebispo primaz do Brasil, D. Avelar Brandão Villela, na presença das autoridades estaduais.

No dia 01 de Julho de 2007, o jornal traz a cobertura da saída do Fogo Simbólico e explica que “Cachoeira é o ponto de partida porque foi a primeira vila baiana a se insurgir contra o jugo de Portugal. Em 25 de junho de 1822, os cachoeiranos aclamaram Dom Pedro de Alcântara como príncipe regente e perpétuo do Brasil. Foi em Cachoeira também que o povo pegou em armas para combater as tropas portuguesas comandadas pelo general português Luís Madeira de Melo, que tentava sufocar o movimento insurrecional que explodiu na então Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira”, diz trecho da reportagem.

A lei que transformou Cachoeira em capital por um dia, aprovada em 2007 pela Assembleia Legislativa da Bahia, entrou em vigor, de fato, em 25 de Junho de 2008. Na época, A TARDE publicou na edição de 26 de junho: “Pela primeira vez na história, a capital baiana foi sediada em uma cidade do interior. O ato inédito homenageou a luta que tornou possível a conquista da independência da Bahia em 2 de julho de 1823. A homenagem deve ser repetida todos os anos por força da Lei 10.695, aprovada no ano passado. A idéia original é da deputada federal e cachoeirana, Lídice da Mata”.

Fatos históricos

Em 06 de Junho de 1982, A TARDE trazia reportagem sobre os rios turísticos da Bahia e sua importância para a história do Estado. No texto, o Paraguaçu é descrito como “o maior e o mais importante rio do Recôncavo baiano”. O texto ainda traz o contexto histórico que fez com que, em 13 de março de 1837, Cachoeira deixasse de ser vila e adquirisse o status de cidade, recebendo o título de Heroica.

No século XVIII, Cachoeira se tornou uma capital econômica em decorrência da economia do açúcar no Vale do Paraguaçu. Desse tempo deriva a arquitetura civil e religiosa da cidade e região que fez de Cachoeira uma Cidade Monumento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Professor Fábio Batista Pereira, historiador, músico e poeta de CachoeiraProfessor Fábio Batista Pereira, historiador, músico e poeta de Cachoeira | Foto: Tallita Lopes

O professor Fábio Pereira explica que o processo de independência do Brasil na Bahia foi complexo e durou mais tempo do que no resto do país. Tudo começou com a chegada de Madeira de Melo a Salvador, como uma espécie de interventor de Portugal. O objetivo dele era manter os interesses da coroa portuguesa na sua colônia mais rica depois que rumores sobre uma possível independência começaram a circular após o retorno de D. João VI para o reino, devido a Revolução do Porto.

“Quais são esses interesses da metrópole? Manter o exclusivismo colonial, manter o pacto colonial e uma estrutura de dominação política e econômica sobre a colônia e que, em certa medida, havia sido afrouxada quando Dom João VI chegou ao Brasil, em 1808, e assinou o Tratado de Abertura dos Portos às Nações Amigas. Aquela ação de cunho mais liberal animou a elite colonial brasileira, especialmente no Recôncavo, uma elite associada ao agronegócio da época, que era o açúcar”, acrescenta o historiador.

Dom João VI volta para Portugal e deixa Dom Pedro, seu filho, como regente. As Cortes Portuguesas exigem a volta de Dom Pedro e ele nega, no ato que ficou conhecido como Dia do Fico. Madeira de Melo vem para Salvador e toma o governo da cidade. Na chegada, o general português mostra que não está para brincadeira, invade o Convento da Lapa e Sóror Joana Angélica morre em defesa das freiras na clausura.

“O clima estava muito ruim em Salvador, então muitas famílias começaram a ir para o Recôncavo, para vilas como Santo Amaro, São Francisco do Conde e Cachoeira. Nessas vilas se organiza o movimento para enfrentar Madeira de Melo. E é então que a Vila de Santo Amaro, em 14 de junho de 1822, faz uma reunião secreta, uma ata que já anuncia muitos pontos importantes a favor da Independência”, continua o professor.

Para coibir a insurreição nascente no Recôncavo, Madeiro de Melo mandou uma canhoneira, uma embarcação de sete metros armada de artilharia pesada, para o Paraguaçu, para vigiar e coagir Cachoeira. A cidade havia aclamado D. Pedro como príncipe regente e protetor perpétuo do Brasil em reunião na Casa de Câmara e Cadeia. E também assumiu a função de capital da resistência, mantendo um governo brasileiro e baiano, já que Salvador estava submetida ao general português.

Já de olho nas manobras dos portugueses, um exército começa a se formar, com tropas vindas da região de Belém e Iguape. Os soldados se aquartelam na Praça da Aclamação de Cachoeira. No dia 25 de junho, após aclamar o príncipe, a população festeja, vai à igreja da matriz e celebra o Te Deum que, desde então, se repete ano a ano. Há muita comemoração nas ruas e o comandante da embarcação portuguesa que se encontrava no rio Paraguaçu envia um comunicado mandando que o povo pare de festejar. A população, lógico, não atende.

“O resultado é o bombardeio da vila, com a população resistindo por três dias, entre 25 e 28 de junho, até a canhoneira portuguesa ser tomada. A guerra de Independência do Brasil na Bahia começou no dia 25 de junho de 1822 e só acabou em 2 de julho de 1823, com a libertação de Salvador. Nesse pouco mais de um ano de guerra, Cachoeira se torna a sede do governo brasileiro na Bahia livre”, afirma Fábio.

Diante de uma saga dessas, dá para entender prefeitamente porque para as jovens cachoeiranas, vestir-se de Quitéria e Maria Felipa é tão simbólico.

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