Terça, 16 de Abril de 2024 02:56
75 9 9702 9169
Cultura 19 de abril

Povos indígenas: saiba mais sobre os estigmas e estereótipos dos povos originários brasileiros

O professor Renan Torres, sociólogo graduado em Ciências Sociais pela UENF-RJ, pesquisador da temática indígena, criador e administrador do projeto Povos Indígenas do Brasil nas redes sociais, explica mais sobre o assunto.

30/04/2022 21h00
Por: Karoliny Dias Fonte: Boca de Forno News
Sônia Bone Guajajara, Coordenadora Execuva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante o Acampamento Terra Livre 2019 - Foto: APIB.
Sônia Bone Guajajara, Coordenadora Execuva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante o Acampamento Terra Livre 2019 - Foto: APIB.

Renan Torres, professor, sociólogo graduado em Ciências Sociais pela UENF-RJ, pesquisador da temática indígena, criador e administrador do projeto Povos Indígenas do Brasil nas redes sociais, falou sobre o dia 19 de abril, criticado pelos povos originários.

O dia 19 de abril é reconhecido pelos países americanos como Dia do Índio. Ele foi marcado pela movimentação dos povos indígenas contra a falta de representatividade dessa data comemorativa. O professor explica que a maior crítica que ele pessoalmente tem feito não é exatamente sobre o dia 19 de abril, mas sobre um modelo de educação brasileira que é muito publicitário e que faz estruturalmente com que as pessoas entendam que nós só devemos falar sobre essa questão neste dia.

“Essa data, assim como outras datas, como por exemplo o 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, reforça que os negros só existem neste dia. É superimportante trazer essas desconstruções e levar as pessoas ao entendimento das questões que estão por trás dessa data. O dia 19 de abril, tradicionalmente, é uma data no calendário nacional que nós celebramos os indígenas, mas ela é uma data muito emblemática e eu percebo que existem vários problemas”, explica.

Um deles, segundo o professor, é a escola que é o lugar onde nós somos ensinados a ter esse imaginário. Ele lembra que o dia 19 de abril é uma data que foi promulgada na década de 40 pelo presidente na época Getúlio Vargas e acontece no México um Congresso latino-americano para poder discutir sobre a questão. Várias delegações de diversos países das Américas são convidadas para poder participar desse evento. “Por uma questão de exceção, os indígenas não enviaram representantes porque acreditavam que ali só seria mais um momento em que seria debatida a importância de se garantir direitos, mas na prática não se efetivaria nessas ações”, explica.

Depois, eles realmente mandam um representante indígena para poder representar as causas do Brasil. Dois anos depois é dada a data em comemoração aos povos indígenas. “A data é vista pelo viés da comemoração, o que reforça principalmente no imaginário das crianças uma ideia estereotipada e de fantasia em relação aos indígenas”.

Assim nasce a foto emblemática que todos tem quando criança de vestida de índio, com a mão na boca e cantando a música da Xuxa sobre esses povos, ressalta. “Esse imaginário na infância já cria essa ideia de que os indígenas não existem ou de que no dia 19 de abril eles são comemorados. A Xuxa em 1989 lança a música “Vamos brincar de índio” e é a música que todos nós utilizamos há muito tempo para poder denominar esses povos”, diz.

Professor Renan Torres - Foto: Arquivo Pessoal.

Por isso, diz ainda o professor Renan, não é para que se comemore os povos indígenas e sim os celebre, apoie as causas e conheça as culturas indígenas. Esse é um pensamento preconceituoso e racismo. “Existe uma grande dificuldade de entendimento de que os indígenas também sofrem racismo assim como a população negra. E esse racismo é, sobretudo, linguístico. Nós não configuramos a ele a possibilidade de falar o português, por exemplo, que sempre reproduz o “mim” como se os indígenas não fossem humanos a ponto de poderem se expressar de diferentes formas”.

O professor afirma ainda que vivemos em uma sociedade capitalista que impõe diversas maneiras sobre o nosso comportamento. “Os indígenas que participam da sociedade, que usam da tecnologia ou que usam roupas, por exemplo, também são um sinal de resistência. Isso é uma fórmula autêntica deles sobreviverem nessa realidade. Dizer que é indígena ou não é porque não tem o corpo pintado, porque não está seminu ou tem dificuldade de falar o português é um erro muito grande que a gente precisa desconstruir”, explica.

O termo “índio” não é aceito porque foi trazido pelos colonizadores europeus, que chega aqui do século XV para o século XVI e não é assim que os indígenas se autodenominam. É importante esclarecer isso. “Criticamos o termo índio porque ele reduz uma diversidade muito significativa no Brasil. Nós temos hoje mais de 300 grupos indígenas falando mais de 70 línguas. O termo reduz toda essa diversidade numérica e, consequentemente, reduz também uma diversidade cultural. É muito difícil para as pessoas entenderem que os indígenas possuem aparências físicas diferenciadas, possuem práticas culturais diferenciadas e o que configura também uma padronização cultural que vai contra todo o imaginário que nós temos”.

Renan diz ainda que precisamos entender que os indígenas são o que são enquanto são e não são a partir daquilo que nós definimos que eles devem ser.

Políticas públicas

Recentemente senadora Soraya Thronicke (União Brasil - MS) questionou o porquê de os índios continuarem miseráveis quando tem 13% do território nacional, tem dinheiro e políticas públicas destinadas a eles. O professor é preciso entender que primeiro que existe um problema colonial de que os índios não são vistos como humanos e então todo o pensamento em relação direitos, a pensar a própria configuração de direitos humanos e de acessibilidade política não é aplicável a ele.

“E isso acaba legitimando discursos que trazem o pensamento de que pensar em direitos indígenas é uma falsa necessidade. É aquilo que os configura cada vez mais como impostores ou aqueles indivíduos que desejam usufruir do Estado. Existe um negacionismo que é atribuído aos indígenas muito grande. Primeiro que eles estão no passado, portanto não tem mais ritmo autêntico como de antigamente, ouvimos sempre essas expressões. É preciso entender que o direito a terra os indígenas já possuem antes da invasão portuguesa. Aliás, a gente tem uma visão muito errada do que é a terra para os indígenas. Enquanto terra significa para nós um elemento de moradia ou um objeto a ser explorado para desenvolver, por exemplo, o agronegócio, para o indígena ela está ligada a ancestralidade, a tradições, a valorização constante das práticas que existem a séculos. Desconsiderar essa concepção de relação com o meio é de uma ignorância e de um racismo muito grande”, diz.

Para Renan, precisa-se ainda entender, inclusive, que a própria política de demarcação das terras indígenas é desigual quando ela precisa ser chancelada pelo Governo Federal para que ele possa reconhecer o direito de uso dessa terra pelos índios. “A terra pertence a União. O presidente da República, Jair Bolsonaro, deu recentemente algumas declarações de que se o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovasse algum projeto que pudesse desfavorecer o Marco Temporal, ele iria desobedecer. Assim você pode perceber que, ao longo do da história, sobretudo nos últimos 30 anos, período após a Ditadura Civil Militar, o retrocesso constante dos direitos indígenas”, lamenta.

Atualmente, a maior luta dos povos indígenas é sem dúvidas uma é uma concepção e uma condição de pensar toda a sua existência que abrange questões, ressalta Renan. “Silenciando e apagando a presença indígena em nosso meio social é um erro muito grande. E isso se envolve diretamente a todos os direitos que não são garantidos. É um absurdo dizer isso, mas não tem nem dez anos que os indígenas tem o direito de ter o seu nome e a sua foto indígena na Carteira de Identidade. Isso é completamente absurdo e trágico. Nós estamos indo contra todos os valores e a todas as heranças que nos definem enquanto brasileiros e é grave o nosso silenciamento mediante essas questões”, pontua.

Ele disse que sempre leva as pessoas a entenderem quais as notícias que recebemos sobre os indígenas no Jornal Nacional, quantos autores e professores indígenas seguimos Instagram, no TikTok, no Twitter ou no Facebook. “Reproduzir esse silenciamento é ser conivente com tudo isso”.

Renan fala ainda sobre papel então dos educadores e da literatura na mudança da visão que a sociedade tem dos povos indígenas. Para ele, o problema para educação que nós temos é o de fantasiar para as crianças o dia 19 de abril. E ele faz um apelo aos professores dizendo que essa é uma atitude de racismo e é muito grave.

“A primeira coisa a se começar é a não fantasiar as crianças. Eu acho que isso completamente trágico. E, sobretudo, entender, valorizar e despertar nos seus estudantes o caráter regional, mesmo não tendo indígenas na sua região. Buscando a história daquela região você vai encontrar esse passado. A história não é vinculada a elementos escritos. Incentivar a história oral, fazer com as crianças o debate racial numa perspectiva mais ampla, entender a valorização da ancestralidade, valorização dos povos originários, que não são apenas os indígenas, nós temos as populações quilombolas e ribeirinhas. Precisamos entender essencialmente e virar a chave de interpretação desse olhar”, diz.

Renan destaca é preciso principalmente trabalhar associado à estética do patrimônio cultural. “Porque só se preserva e se valoriza aquilo que te toca, que você se identifica. Trabalhar com a perspectiva do patrimônio cultural imaterial é essencial nesse processo”, finalizou.

Com informações da repórter Engledy Braga

Nenhum comentário
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.