O tema é tratado dentro do governo do estado como se fizesse parte da lista de assuntos proibidos ou ultrassecretos. Ninguém na equipe do governador Jerônimo Rodrigues (PT) confirma publicamente. Também não descarta. Mas a imensa maioria dos políticos, servidores e especialmente os tubarões do mundo dos negócios tratam a privatização da Bahiagás, seja integral ou apenas parcial, como líquida e certa. A dúvida é somente quando, como, qual tamanho do bolo e por quanto a companhia será colocada à venda no mercado.
Os planos da administração estadual de privatizar a Bahiagás não são coisa de agora. Rumores sobre o interesse do governo em transferir para a iniciativa privada o controle acionário da companhia circulam há pelo menos três anos fora dos gabinetes do Executivo e do Legislativo. No entanto, as especulações ganharam corpo em meio à campanha eleitoral de 2022, no rastro de uma publicação no Diário Oficial do Estado de 14 de setembro daquele ano.
Dizia o informe divulgado pela BahiaInvest, empresa que negocia os ativos do estado, incluindo imóveis e ações: “Aviso de licitação. Objeto: contratação de serviços técnicos necessários à estruturação do projeto de desestatização da Companhia de Gás da Bahia - Bahiagás. Tipo: menor preço”. Como era fácil supor, a imprensa colocou a lupa, o noticiário criou mal-estar junto ao eleitorado de esquerda, fortemente antiprivatização, e o então governador Rui Costa, sob argumento de que houve mal-entendido, mandou anular oantes que gerasse mais ruídos para a campanha. “Esse edital falava expressamente em processo de desestatização da Bahiagás. Ele não deixava dúvida do objetivo. Inclusive, a fundamentação dele, que se inicia no dia 17 de maio de 2022, é baseada no então Programa Nacional de Desestatização”, disse o diretor de Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Química, Petroquímica e Plástica da Bahia, Alfredo Santos Júnior à Metropole.
Mas o recuo era só ilusão. “Uma semana após o segundo turno das eleições do mesmo ano, o edital é novamente republicado, com o mesmo número, o mesmo corpo de texto. Porém, houve uma estratégia equivocada, no sentido de tentar esconder o que acontecia. O título do edital foi alterado. Em vez do que falava em processo de desestatização da Bahiagás, passa a falar apenas de estudos técnicos de consultoria. Não cita a Bahiagás, a desestatização”, emendou.
Projeto disfarçado e aprovado
A tentativa de deixar as coisas nos bastidores funcionou e até mesmo deputados que se dizem contra a privatização pouco têm se movimentado. Alfredo Santos Júnior indica ainda que poucos deles sabiam da real dimensão do problema envolvendo da Bahiagás.
“A gente vai conversar com alguns deputados, e eles falam ‘se esse projeto chegar na AL-BA”. Mas o cerne da questão, destaca Santos Júnior, é que já há uma lei aprovada pela própria Casa em 1997, quando a Bahiagás sequer era motivo de cobiça da iniciativa privada, permitindo essa venda. Isso significa que o governo já tem autorização para privatizar, e em um momento em que a empresa é a maaior distribuidora pública de gás natural do país e um dos patrimônios mais rentáveis para o estado.
“O que o governo está conduzindo é um processo que já tem autorização. Se não tem interesse de privatizar, é fácil: primeiro, faz o distrato com o grupo Genial, depois revoga a lei 7029”, pontuou Alfredo.
O contrato diz outra coisa
Ainda que a cúpula do governo Jerônimo faça de conta de que não há desejo de privatizar a companhia, maior distribuidora de gás do Nordeste e segunda maior do país, o contrato de 148 páginas firmando com o Banco Genial, ao qual o Jornal Metropole teve acesso, diz outra coisa. A começar pelos serviços de organização e montagem de roadshows nos Estados Unidos, Europa e Bolsa de Valores de São Paulo. Esse formato de exposição, no mercado corporativo e financeiro, só tem um propósito: mostrar o produto para potenciais compradores.
O contrato prevê ainda que o Banco Genial será responsável por elaborar um relatório que identifique e avalie potenciais investidores. Caberá ainda à contratada indicar para as instâncias decisórias da BahiaInvest o preço mínimo das ações da Bahiagás e fornecer um modelo de contrato para compra e venda desses papéis. Pelos serviços, o grupo Genial receberá quase R$ 4 milhões. “Então, não tem como ser só estudos técnicos. Quando você vai destrinchar os detalhes do contrato é fácil perceber”, acrescentou o diretor do Sindiquímica.
Procurada pela reportagem, a Bahiagás não quis se pronunciar sobre a eventual privatização da empresa. Em entrevista à Rádio Metropole no último dia 18, o diretor-presidente da companhia, Luiz Gavazza, que inclusive vem sofrendo ataques à sua imagem como forma de fortalecer o cenário de privatização, desconversou sobre a possibilidade. “É importante dizer que qualquer processo de privatização ou de movimentação do controle acionário é uma decisão dos acionistas, o acionista do estado da Bahia, que eu represento”, disse, ao citar que o estado detém hoje 75,5% das ações da Bahiagás.
Magnatas do gás
O processo para alprivatização da Bahiagás entrou recentemente na arena das redes sociais a partir de um vídeo postado pelo comunicador Jailton Andrade, diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. Andrade expôs, com riqueza de detalhes, todos os passos do plano para eventual venda. Para Andrade, o grupo que ele chama de “magnatas do gás” está por trás do projeto para a Bahiagás, empresa de economia mista criada em 1991 para se tornar concessionária exclusiva da exploração dos serviços de distribuição de gás natural canalizado em todo o estado. O interesse de grandes investidores do setor se justifica pelos números que a companhia registra.
Atualmente, a Bahiagás tem 80 mil clientes em mais de 20 municípios e cobre cerca de 40% da população baiana. Segundo um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a receita anual bruta da Bahiagás, em 2022, aumentou 47% em relação ao ano anterior. Em cifras, a soma chegou R$ 4,61 bilhões. “O modelo que vem sendo pensado para a Bahiagás é um risco. O Banco Genial tem expertise nisso porque fez o mesmo serviço em vários estados da federação, em várias estatais, inclusive da União, com a Eletrobras”, destacou Andrade.
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